Um guia pelos materiais menos conhecidos da moda

Já todos ouvimos falar de algodão e de poliéster, mas estas não são as únicas opções no mercado para criar produtos de moda. A inovação tecnológica e a redescoberta da natureza viabilizaram a exploração de fibras muito promissoras.
Já todos ouvimos falar de algodão e de poliéster, mas estas não são as únicas opções no mercado para criar produtos de moda. A inovação tecnológica e a redescoberta da natureza viabilizaram a exploração de fibras muito promissoras.

Ideias a retirar:

O poliéster é atualmente o material mais usado na indústria da moda, mas já começam a surgir alternativas mais sustentáveis.

O cânhamo é uma fibra natural e biodegradável, que requer muitos menos recursos do que o cultivo do algodão.

O cupro é uma fibra semissintética proveniente de resíduos de algodão. Embora seja um aproveitamento inteligente de recursos, a sua transformação depende de químicos nocivos.

Existem diversas alternativas vegetais à pele, como a Piñatex ou a Mylo. De forma geral, são mais sustentáveis do que o couro animal, embora ainda não se igualem no campo da durabilidade.

A produção de Econyl reúne resíduos de plástico dos oceanos para criar uma alternativa ao nylon. Continua a ser uma fibra sintética e, por isso, liberta microplásticos.

 

Existem vários estudos que apresentam diferentes resultados, mas há uma coisa com que todos os investigadores concordam: mais de metade das peças de roupa vendidas hoje são feitas de poliéster. Esta fibra foi desenvolvida na primeira metade do século XX, em resultado da exploração de materiais provenientes de combustíveis fósseis e, devido às suas propriedades, ganhou uma reputação de excelência na indústria.

É verdade: o uso de poliéster expandiu-se em resultado das suas qualidades positivas. Para além de ser um material barato em comparação às fibras naturais, é bastante resistente e requer pouca manutenção.

Atualmente, sabemos quais são as consequências que advieram da utilização excessiva de poliéster, desde a extração de recursos fósseis à libertação de microplásticos. Ainda assim, este continua a ser o material mais utilizado pela indústria da moda. Mas o seu tempo está prestes a chegar ao fim.

Reunimos um conjunto de fibras (naturais, sintéticas e semissintéticas), que estão a dar que falar no setor da moda sustentável graças às suas propriedades mais amigas do ambiente.

 

Cânhamo

A utilização de cânhamo na moda não é recente, mas, nos últimos anos, devido à sua ligação à canábis, tem recebido alguma atenção negativa que inibiu o seu florescimento no setor. Por esse motivo, começamos por esclarecer esse mito: ninguém terá a sua consciência alterada por utilizar uma peça feita de cânhamo. É um tecido muito mais inofensivo do que a maioria das fibras sintéticas que vemos inundar as lojas de roupa atualmente.

Esta classifica-se como uma fibra natural por ser derivada de uma planta e, por isso, recebe logo a vantagem de ser biodegradável. Ao nível ambiental, revela também uma miríade de benefícios:

  • Em muitos casos, o seu cultivo não requer pesticidas, tornando-se comum a produção de cânhamo orgânico.
  • É uma planta que contribui para a regeneração dos solos, já que o seu sistema de raízes permite depositar na terra uma grande parte dos nutrientes que retira.
  • Requer muito menos água do que o algodão, por exemplo. Alguns estudos apontam para que o cânhamo gaste menos de um quarto da água utilizada no cultivo de algodão.

 

Os grandes problemas da utilização de cânhamo localizam-se na fase da produção, quando esta planta é transformada em fibra. Muitas vezes, é um processo que utiliza químicos tóxicos e que requer um gasto elevado de energia. No entanto, existem formas de evitar isso. Tudo depende da forma como as empresas encaram a sua transformação – os processos mais baratos e mais rápidos tendem a ser mais prejudiciais para o Planeta, enquanto um regresso às técnicas artesanais acaba por ser muito mais sustentável.

 

Cupro

O cupro integra o grupo de fibras semissintéticas, por ser uma fibra natural que passa por um processo de transformação química intensivo até poder ser utilizado pela indústria da moda. O seu toque é semelhante ao da seda, por isso, é muitas vezes apresentado como uma alternativa vegan a esse material (mas não é a única).

A grande vantagem ambiental do cupro é que nasce do reaproveitamento de resíduos do algodão. Existem partes da planta do algodão que são demasiado pequenas para fiar e que, por esse motivo, acabam por não ser utilizadas. Com o avanço da tecnologia, descobriram-se novas formas de as transformar, resultando na fibra que hoje conhecemos como cupro. Tendo em conta que o cultivo de algodão tende a consumir bastante água e pesticidas, é importante que sejam aproveitados todos os recursos provenientes da sua colheita – e esse é talvez o ponto mais sustentável do cupro.

O lado negativo encontra-se no processo de transformação. De forma geral, é utilizado um método denominado cuprammonium, que se baseia na utilização de químicos bastante nocivos para o Planeta e para os trabalhadores (não só durante a produção, mas também após o descarte). Para além disso, existe uma grande preocupação social a rodear a cadeia de produção de cupro. A grande maioria é produzida na China e, dado a toxicidade do processo, não estão garantidas as condições de segurança necessárias para os trabalhadores. Existem outras fibras que passam por processos semelhantes, como a viscose, o modal ou o lyocell.

 

Alternativas à pele animal (Piñatex e Mylo)

Para além de ser um processo abertamente doloroso para muitos animais, a pele tradicional passa por uma transformação química intensiva de que muitos consumidores se querem afastar. Nos últimos anos, têm surgido diversas alternativas plant-based à pele animal, e aqui iremos destacar duas das mais conhecidas: a Piñatex e a Mylo.

Como o nome em inglês poderá ajudar a perceber, a Piñatex é uma fibra composta em grande parte por folhas de ananás (80%), promovendo, nesse sentido, o aproveitamento de recursos associados ao cultivo do ananás que durante muitos anos foram desperdiçados. No entanto, este não é um material completamente biodegradável, já que, na produção da fibra, é misturado um tipo de bioplástico derivado do milho, vulgarmente conhecido como PLA. Se o seu descarte for realizado num ambiente controlado, garante-se, ainda assim, que não existem consequências nocivas para o Planeta.

De forma semelhante, a Mylo é derivada do micélio (que, em termos leigos, se aproxima do sistema de raízes de fungos, como os cogumelos), e a sua produção é realizada em laboratório. Tal como a Piñatex, cerca de 80% desta fibra é natural, sendo a percentagem restante correspondente a elementos semissintéticos, como lyocell e poliuretano à base de água.

A grande vantagem destas duas fibras é que, de forma geral, as empresas que as produzem procuram aplicar os princípios da sustentabilidade a todas as fases do processo. O tingimento é uma das partes mais nocivas na produção de pele animal para a moda e, no caso da Piñatex e da Mylo, existe a preocupação de utilizar cada vez menos químicos perigosos, encontrando uma solução a meio termo, onde natureza e ciência se encontram. A grande desvantagem é que a qualidade destas fibras ainda não está no seu pico máximo. Os produtos de pele plant-based acabam por se estragar mais rapidamente do que as escolhas de pele animal, o que resulta num consumo mais acelerado de produtos. Ainda assim, há esperança, pois todos os anos são feitos progressos significativos no desenvolvimento de alternativas à pele.

 

Econyl

Antes de começarmos, um breve facto: sabiam que uma parte significativa dos microplásticos presentes no oceano não vem de têxteis, mas sim de redes de pesca e outros resíduos deixados no mar? A empresa italiana Aquafil sabe-o, e foi por isso que criou o Econyl, uma fibra que recicla estes desperdícios de plástico para criar um material semelhante ao nylon.

Apesar de sabermos as consequências negativas associadas à produção de nylon, são poucos os materiais que conseguem recriar as suas propriedades. Por ser bastante elástico e resistente à água, é a fibra principal dos fatos de banho e roupa de desporto. O Econyl é, de momento, a alternativa com a qualidade mais próxima a esta fibra, sendo muito mais sustentável do que o nylon virgem por não requerer a extração de combustíveis fósseis para a sua criação, para além de retirar do oceano resíduos de plástico poluentes.

Não são conhecidos muito dados acerca do seu processo de transformação, mas se há algo em que os investigadores concordam é que requer muito menos água, energia e químicos do que a produção de nylon virgem. Ainda assim, o Econyl mantém uma desvantagem comum a todas as fibras sintéticas: a libertação de microplásticos.

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