Ideias a retirar:
Há cada vez mais alternativas à pele animal na indústria da moda e, ainda que revelem vários benefícios, também trazem os seus próprios problemas.
A principal vantagem da utilização de pele vegan passa por garantir o bem-estar dos animais no seio da indústria da moda.
A produção de couro tem graves problemas ao nível ambiental e social – que, na sua maioria, não acontecem na manufatura de pele vegan.
No entanto, a grande maioria das alternativas à pele animal, como a Mylo e a Piñatex, contém plástico na sua composição.
Para além disso, a pele vegan tende a ser menos resistente do que a pele animal, encurtando o seu ciclo de vida.
São cada vez menos as marcas de moda que recorrem à pele e ao pelo animal para produzir bens de moda (nomeadamente, vestuário, calçado e acessórios). Este progresso deve-se a dois grandes fatores: por um lado, a pressão dos consumidores e, por outro, a inovação da indústria.
Em primeiro lugar, há uma crescente pressão pública para incluir o tratamento dos animais nas políticas de sustentabilidade das marcas de moda. Ainda em setembro deste ano, ativistas da organização PETA invadiram o desfile da marca de moda Coach – e de outras insígnias, mais tarde – na Semana de Moda de Nova Iorque, com o intuito de alertar para os problemas ambientais e sociais do uso da pele animal. Esta ação teve uma grande cobertura jornalística e reforçou as preocupações dos consumidores.
Para além disso, o número de alternativas à pele animal tem crescido exponencialmente na última década, em resultado da inovação tecnológica que procura criar fibras têxteis mais sustentáveis. Alguns dos materiais mais comuns adotados pelas marcas dão-se pelo nome de Mylo – uma fibra derivada do micélio, isto é, das raízes de fungos como os cogumelos – e Piñatex – forjada a partir de folhas de ananás. Existem outros exemplos, como a Apple Leather (pele de maçã) e a Desserto (proveniente de catos).
Antes de avançarmos para uma análise generalizada destes materiais, é importante sublinhar que todas as alternativas são diferentes e, por esse motivo, comportam vantagens e desvantagens distintas. Ainda assim, na próxima secção procuramos apresentar os principais benefícios e problemas que abrangem a maioria das alternativas à pele e ao pelo animal, com o intuito de refletir acerca dos passos que a indústria da moda necessita de dar para a criação de materiais vegan mais sustentáveis.
Os principais benefícios da pele vegan
- Garante o bem-estar dos animais na indústria da moda.
A vantagem mais gritante da utilização de pele vegan na moda recai sobre o campo ético: a melhor forma de garantir que os direitos dos animais são respeitados passa por eliminar quaisquer componentes de origem animal dos produtos de moda. E a pele vegan garante precisamente isso. Os animais estão afastados de todos os passos da sua cadeia de produção, assegurando, nesse sentido, que o seu bem-estar é respeitado.
Vale a pena realçar que, embora o tratamento dos animais não seja amplamente considerado um pilar essencial da sustentabilidade na moda, a produção de fibras de origem animal apresenta inúmeros problemas ambientais e sociais, como iremos observar de seguida.
- Elimina os problemas ambientais derivados da produção de pele animal.
Comece-se por esclarecer um mito comum: a pele enquanto fibra têxtil não é sempre um subproduto da indústria alimentar. É verdade que, em alguns casos (é quase impossível encontrar dados fiáveis para o quantificar), a criação de gado tem como propósito primordial a produção de carne, sendo a pele um mero aproveitamento do “desperdício” gerado nesse processo. No entanto, a venda de pele tem, nos últimos anos, sido um negócio mais lucrativo do que a venda de carne e, por isso, registam-se casos em que a criação de gado é realizada com o objetivo de fornecer fibras à indústria têxtil.
Esclarecida essa questão, não será novidade para a maioria que a criação intensiva de gado é uma das atividades mais prejudiciais para o bem-estar do Planeta, por exemplo, a nível da emissão de gases de efeitos de estufa. Mesmo que queiramos retirar esses dados da equação e considerar somente o seu impacto na cadeia de produção de moda, a história não se altera muito.
Para transformar pele animal numa fibra têxtil, realiza-se um processo intensivo em água e agentes químicos. Kanagaraj et al. (2015) estimam que o curtimento de peles seja responsável por consumir mais de metade da água utilizada na indústria da moda. Os químicos aplicados estão associados à emissão elevada de gases de efeito de estufa e à produção de desperdício sólido, bem como à poluição das águas. Tahiri (2009) expõe ainda que, por cada tonelada métrica de matéria-prima animal, apenas 20% é transformado em fibras têxteis, gerando muito desperdício.
- Elimina os problemas sociais derivados da produção de pele animal.
Os problemas ambientais do curtimento da pele não terminam aí – há um efeito claro na saúde das comunidades afetadas. Vários especialistas têm demonstrado que os trabalhadores de curtumes estão mais predispostos a desenvolver doenças crónicas, problemas de pele e até cancro, devido à exposição aos químicos nocivos utilizados no processo. Geralmente, estas são comunidades com fraco acesso a recursos essenciais, como água, e a poluição originada pela presença das fábricas chega a impactar mesmo quem não trabalha diariamente na transformação da pele.
Os principais problemas da pele vegan
- A grande maioria das alternativas contém plástico.
Ainda que muitas das fibras vegan que se apresentam como alternativas à pele animal tenham uma base vegetal, é comum a presença de plástico na sua composição. No caso da Mylo e da Piñatex, por exemplo, 80% da fibra é de origem vegetal, enquanto 20% corresponde a elementos sintéticos ou semissintéticos. E a pele de maçã revela uma composição ainda mais preocupante, com 50% dos seus componentes a derivar de combustíveis fósseis.
A presença de materiais sintéticos nestas fibras é um problema a dois níveis. Em primeiro lugar, contribui para a libertação de microplásticos, nomeadamente durante as fases de produção e descarte das peças de roupa. A Agência Europeia do Ambiente estima que existam mais de 14 milhões de toneladas de microplásticos nos oceanos e que, a nível global, entre 16 e 35% tenham uma origem têxtil.
Depois, a mistura de várias fibras na composição de uma peça de roupa apresenta-se como um obstáculo à sua reciclagem. Caso o produto fosse completamente de origem vegetal, poderia ser considerado biodegradável. No entanto, a presença de plástico implica que, para a peça ter um fim de vida com menos impacto ambiental, terá de ser transformada pela empresa que lhe deu origem – e isso não é, para a maioria dos consumidores, um processo acessível.
- Não tem uma grande durabilidade.
O outro grande problema da pele vegan é que, comparada à pele de origem animal, os seus produtos tendem a ser menos resistentes e, por consequência, menos duráveis. Um dos motivos pelos quais as alternativas ao couro contêm plástico na sua composição é aumentar o seu tempo de vida. No entanto, a inovação tecnológica ainda não atingiu o ponto em que as opções semissintéticas têm a mesma qualidade que a pele animal. Acredita-se que será apenas uma questão de tempo até isso ser possível.
Para além da compra de produtos de pele vegan, existem outras formas de contribuir para o bem-estar animal na indústria da moda. Há quem opte por adquirir peças em couro apenas em segunda-mão, dando uma nova oportunidade a produtos já existentes e contribuindo para a diminuição do desperdício têxtil. Também se pode abolir completamente a presença de peles (e outras fibras de origem animal) no guarda-roupa. Existem várias fibras vegetais, como o algodão, o linho e o cânhamo, que, embora revelem os seus próprios problemas, são muitas vezes consideradas mais sustentáveis.
Qualquer inovação têxtil, presente ou futura, terá dois lados: um mais positivo do que outro. Enquanto consumidores, cabe-nos definir os nossos valores e fazer escolhas que vão ao seu encontro – não esquecendo a importância de questionar e refletir sempre que uma nova opção nos é oferecida. Até o material mais sustentável tem componentes menos sustentáveis.
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