Ideias a retirar:
Enquanto ativistas, perguntamo-nos como podemos maximizar o nosso impacto, e isso passa por perceber onde está o poder. Criámos três modelos baseados na relação entre três agentes: governo, empresas e cidadãos.
O primeiro modelo assenta nos hábitos de consumo dos cidadãos, que, devido à lei da oferta e da procura, provocam uma alteração no comportamento das empresas. O governo pode materializar essa mudança através da legislação.
O maior problema do primeiro modelo é que perpetua desigualdades, dado que consumidores com menos recursos financeiros não podem participar neste sistema.
O segundo modelo também começa nos cidadãos, mas evidencia o seu poder de participação política. Este levará à criação de legislação que, por sua vez, altera o comportamento das empresas.
O maior problema do segundo modelo é que é difícil mobilizar os cidadãos, e isso vê-se nas taxas de abstenção eleitorais.
O terceiro modelo coloca o poder na legislação que parte apenas do governo. As empresas e os cidadãos são impactados por este mecanismo, sem ter uma voz na sua criação.
O maior problema do terceiro modelo é que é uma característica de sistemas políticos autoritários e, por isso, deve ser evitado.
“Como posso maximizar o meu impacto?” Esta é talvez uma das perguntas mais assoberbantes que paira sob a cabeça de um ativista. Embora a ação individual possa ter um peso significativo em alterações sistémicas, sabemos que esse é um caminho tortuoso e difícil. Por esse motivo, vários especialistas no campo da sustentabilidade têm defendido que os esforços devem ser concentrados em agentes com maior poder, como grandes empresas e governos.
Os últimos anos, porém, têm trazido desilusão atrás de desilusão. A legislação avança a passo de caracol e o percurso realizado pelas empresas, nomeadamente de moda, destaca-se mais pelas alterações na comunicação do que no seu verdadeiro comportamento. Assim impõe-se as questões: onde está o poder? Governo, empresas ou cidadãos? E, acima de tudo, o que posso fazer enquanto indivíduo para garantir que os meus valores se transformem na realidade da indústria?
Exploramos três modelos de poder que correlacionam estes três agentes e as suas ações, analisando as vantagens e desvantagens de cada caso.
Modelo 1: O poder dos hábitos de consumo
Começamos pelo modelo que tem vindo a ser advogado desde os primórdios do movimento pela sustentabilidade, que traça o seu começo ao poder dos hábitos de consumo.
Neste exemplo, a relevância é colocada nos cidadãos, cujos gastos financeiros são utilizados para promover ou punir determinadas empresas. Por esse motivo, as marcas são os segundos agentes deste modelo, alterando os seus comportamentos com base na lei da oferta e da procura. Isto é, se os consumidores dão prioridade a um determinado tipo de produtos, esses serão os que lhes são oferecidos. O governo tem apenas uma ação final, que é materializar esta mudança com legislação.
Vantagens deste modelo:
- Não é um “esforço extra”. A maioria dos indivíduos consome produtos e serviços todos os dias. Alterar os locais de consumo não é, por isso, uma grande mudança nos seus hábitos diários, dado que não implica um esforço para lá do que já é realizado.
- Sensação de altruísmo. O movimento pela sustentabilidade baseia-se no altruísmo, na ideia de que estamos a fazer algo pelo bem da Humanidade, e essa é, ironicamente, uma vantagem pessoal que os cidadãos retiram de um consumo mais sustentável.
Desvantagens deste modelo:
- Perpetua desigualdades. Se o dinheiro é o mecanismo de ação, então estamos a excluir quem revela escassez deste recurso. Por esse motivo, não é um modelo democrático.
- Pode ser facilmente manipulado. O que se verificou nos últimos anos é que diversas empresas pareceram alterar os seus comportamentos para corresponder às exigências dos consumidores, mas, na verdade, não passava de uma ação de marketing. Por esse motivo, não há uma verdadeira mudança.
Modelo 2: O poder da ação política individual
O segundo modelo começa, à semelhança do último, nos indivíduos. A diferença é que, aqui, em vez de exercerem o seu poder enquanto consumidores, dá-se prioridade ao seu poder enquanto cidadãos, enfatizando a participação política. Isto significa votar, assinar e criar petições, manifestar-se, entre outras ações. Por esse motivo, o seu impacto alcança o governo, que traduzirá a vontade da população em legislação que as empresas terão de cumprir.
Vantagens deste modelo:
- Não é só um direito, é um dever. Exercer ferramentas políticas individuais é uma das chaves mais cruciais para o sucesso de qualquer sociedade democrática. Não nos podemos esquecer de que os governos são uma representação do que o povo deseja, e é a sua responsabilidade corresponder aos valores do mesmo.
- Mudanças mais rápidas e efetivas. Para uma empresa, é muito diferente mudar o seu comportamento devido à vontade de um consumidor face a quando existe uma obrigação imposta pelo governo. O segundo caso traz ações mais rápidas e vinculativas, principalmente se a legislação for seguida de uma avaliação eficaz do seu cumprimento.
Desvantagens deste modelo:
- Dificuldade de mobilização. Basta olhar para a taxa de abstenção das últimas eleições portuguesas para percebermos o quão difícil pode ser entusiasmar a sociedade para a participação política. Para além disso, uma das formas mais eficazes de mobilização para a sustentabilidade é através da educação, e esse é um processo que se estende por muitos anos.
- Necessita de uma forte fiscalização. Se a legislação existir apenas no papel, e os seus esforços não forem levados a cabo num plano prático, então é o mesmo que não existir de todo. Sem fiscalização e consequente aplicação de coimas será muito difícil provocar uma mudança de comportamento sistémica.
Modelo 3: O poder da legislação
O terceiro modelo traça a fonte do poder à legislação, algo que acontece em sistemas políticos autoritários ou sociedades muito polarizadas, onde a ação individual segue correntes opostas. Neste caso, as empresas são a segunda parte desta cadeia de poder, dado que têm de cumprir com as leis impostas, alterando os seus comportamentos. Os cidadãos recebem os frutos das ações destes dois agentes, mesmo que não estejam de acordo com os seus valores individuais.
Vantagens deste modelo:
- Mudanças (ainda) mais rápidas e efetivas. Quando a fonte de poder primária é o governo, a fiscalização tende a ser mais regular e exigente, em comparação à legislação avançada pela pressão dos cidadãos. Por esse motivo, as mudanças de comportamento das empresas estão praticamente garantidas.
- União em tempo de polarização. Por vezes, os cidadãos têm opiniões tão opostas que nenhuma das partes consegue levar avante os seus valores. A legislação é uma forma de unir os dois lados, mesmo que nem todos estejam de acordo.
Desvantagens deste modelo:
- É um princípio autoritário. Embora revele vantagens em tempos específicos (por exemplo, numa crise de saúde pública), a legislação deve, num modelo democrático, partir sempre da vontade dos cidadãos, visto que o governo é apenas o seu representante.
- Pode não ser a escolha “certa”. Estamos num tempo de urgência climática e, por isso, sabemos que a legislação deve promover uma transição verde. No entanto, temos visto esta ferramenta ser utilizada para possibilitar ações que não vão ao encontro do bem-estar coletivo, como a abertura de novos pontos de exploração de petróleo. Quando tal acontece, só a ação política individual (e, consequentemente, social) pode reverter a situação.
Olhando para os três modelos, podemos concluir que nenhum é perfeito. Ainda assim, alguns problemas são mais gritantes do que outros. Por esse motivo, somos apologistas do segundo modelo, onde a ação política individual é o motor para a criação de legislação que, de seguida, irá impactar o comportamento das empresas.
Encontraste algum erro ou imprecisão? Ficaste com dúvidas? Envia um e-mail para info@ethica.pt.