Ultra fast fashion: o que é?

Com ciclos de produção (muito) rápida e consequências alarmantes, os modelos de ultra fast fashion estão a agravar a insustentabilidade da indústria da moda.
Com ciclos de produção (muito) rápida e consequências alarmantes, os modelos de ultra fast fashion estão a agravar a insustentabilidade da indústria da moda.

Ideias a retirar:

Os modelos de ultra fast fashion vieram acelerar as cadeias de produção (já rápidas) da fast fashion, agravando, por isso, as suas consequências. 

Algumas das marcas de ultra fast fashion mais conhecidas são a SheIn, a Boohoo e a Pretty Little Thing.

Ao registarem um volume de produção avassalador, as suas operações têm um impacto extremamente negativo na saúde dos ecossistemas, enfatizado pela dependência de combustíveis fósseis.

Embora não sejam transparentes acerca das suas práticas sociais, as marcas de ultra fast fashion foram alvo de investigações jornalísticas alarmantes, que destacam as fracas condições de trabalho nas fábricas subcontratadas. 

As marcas de ultra fast fashion são também conhecidas por roubar a propriedade intelectual de pequenos criadores de moda.  

 

Atualmente, não é possível falar sobre os problemas ambientais, sociais e económicos do setor têxtil e de vestuário sem referir o impacto da fast fashion. O conceito, cunhado no final do século XX, designa modelos de negócios caracterizados por ciclos de produção rápida, preços baixos e produtos de qualidade reduzida. Com a evolução da tecnologia, surgiram marcas que levam este sistema ao extremo, acelerando os processos de manufatura e aprofundando as desvantagens associadas. A isto dá-se o nome de ultra fast fashion, um dos maiores flagelos da indústria da moda contemporânea.

Comparando os dois sistemas acima referidos, podemos dizer que existem três formas como as marcas de ultra fast fashion ultrapassaram as suas antecessoras. Em primeiro lugar, na produção. Enquanto uma marca de fast fashion tende a demorar entre três e quatro semanas a colocar uma peça de roupa à venda – desde o design ao embalamento –, tal ciclo é somente de uma semana no caso de marcas como a SheIn. Esta é uma das pioneiras do modelo de ultra fast fashion, ao lado do conglomerado britânico Boohoo que, para além de uma marca homónima, detém insígnias como a Nasty Gal e a Pretty Little Thing.

Há também que salientar a diferença na quantidade de produtos oferecidos. Em abril de 2022, o jornal Business of Fashion noticiou que, desde o início do ano, a H&M e a Zara tinham colocado no seu website 4414 e 6849 novas peças, respetivamente. No mesmo espaço de tempo, a Boohoo havia introduzido 18.343 modelos e a SheIn ultrapassava esse valor de forma estonteante, totalizando 314.877 entradas em e-commerce. Todos estes números correspondem às versões norte-americanas do website de cada marca.

Dado serem mais rápidas na produção e mais extensivas no portefólio de vendas, as marcas de ultra fast fashion têm também um papel agravado no descarte. Seguindo a lógica herdada do sucesso de marcas como a Zara, a Primark e a H&M, os produtos de moda são vendidos a preços reduzidos – por exemplo, no website da SheIn, encontra-se um amplo rol de opções abaixo dos cinco euros – assentes em materiais e processos de produção de baixa qualidade. Por esse motivo, os aterros e lojas em segunda-mão estão inundados de etiquetas da SheIn e outras marcas similares, visto que o ciclo entre compra, uso e descarte do consumidor também foi acelerado.

Através da sua definição, é fácil denotar as consequências ambientais dos modelos de ultra fast fashion. Uma produção mais elevada implica um maior consumo de recursos, resultando em níveis mais altos de poluição, tanto durante a fase de manufatura, como após o descarte. Porém, existe outro problema gritante, que se prende com os materiais utilizados. Um estudo realizado no Reino Unido concluiu que 89% das peças presentes no website da Pretty Little Thing em maio de 2021 continham poliéster, acrílico, nylon ou poliamida. Na Boohoo, esse valor era de 84%.

Mas não é somente nas peças que os combustíveis fósseis existem em abundância. Ao visualizar um dos muitos hauls da SheIn que habitam no TikTok, descobrem-se sacos e sacos de plástico a proteger cada um dos componentes das gigantes encomendas. Das fibras sintéticas às embalagens descartáveis, não faltam maneiras como as marcas de ultra fast fashion estão a enviar microplásticos para os nossos ecossistemas.

Um tópico que atravessa o campo ambiental e social é a falta de transparência comum entre marcas de ultra fast fashion. Quando a performance de sustentabilidade é comunicada, tal é feito através de canais próprios – nunca certificações independentes – e fontes pouco fiáveis. Foi o que aconteceu em junho de 2023, quando a SheIn convidou um grupo de influencers a examinar as condições de trabalho nas suas instalações. O problema é que estas personalidades digitais visitaram apenas uma fábrica-modelo e as suas publicações estavam mais próximas de propaganda do que de pensamentos imparciais. Aquilo que começou por ser uma estratégia de greenwashing resultou numa crise de relações públicas, que manchou ainda mais a reputação da marca.

Embora a fraca transparência seja um obstáculo à análise do desempenho social das marcas de ultra fast fashion, várias investigações jornalísticas têm contribuído para aclarar os bastidores destas operações. No caso da SheIn, a grande maioria das suas fábricas subcontratadas existe na região de Guangzhou, na China e, em 2021, as instalações foram visitadas pela organização suíça Public Eye. A exposé subsequente alertou para inúmeros problemas em redor do tratamento dos trabalhadores, com destaque para a falta de segurança nas fábricas, os horários ilegais (a maioria trabalhava cerca de 75 horas por semana, com um dia de folga por mês), a baixa remuneração e a ausência de contratos laborais.

Um ano depois, o canal de televisão britânico Channel 4 lançou Untold: Inside the Shein Machine e o debate social ressurgiu. No documentário, descobre-se que os trabalhadores subcontratados pela SheIn são pagos por cada peça produzida, em valores tão baixos como quatro cêntimos por unidade. Foram ainda registados casos em que os turnos na fábrica chegavam às 18 horas consecutivas, o que é proibido segundo a lei de trabalho chinesa. Mas não é só a SheIn que tem sido alvo de investigações jornalísticas alarmantes. Em 2020, o jornal britânico The Times reportou as ilegalidades ocorridas nas fábricas subcontratadas da Boohoo, em Leicester, no Reino Unido. Os trabalhadores encontravam-se a receber cerca de 3,5 libras por hora, um valor significativamente inferior ao salário mínimo do país. 

Fora da sua própria cadeia de produção, as marcas de ultra fast fashion veem-se envolvidas em batalhas de propriedade intelectual, após um sem-número de casos em que foram acusadas de roubar os designs de marcas e criativos menos conhecidos. Em Portugal, Lara Luís foi uma das vítimas. A ilustradora viu o seu trabalho impresso em vários produtos à venda no website da SheIn, não tendo recebido qualquer crédito – ou compensação monetária – por tal. Na ausência de mecanismos legais que combatam a repetição destas práticas, apenas a exposição digital tem funcionado como uma arma para os pequenos criadores.

Perante todos os problemas associados aos modelos de ultra fast fashion, impõe-se a questão: enquanto consumidores individuais, o que podemos fazer? Para começar, há que procurar reduzir – ou, sempre que possível, eliminar – o consumo de marcas que adotem este esquema de produção. Nos casos em que a compra já ocorreu, é importante prolongar a vida das peças adquiridas, para que não acabem num aterro. Por fim, ainda que seja difícil mobilizar a legislação contra estes gigantes da moda, existem cada vez mais movimentos que se dedicam a investigar, disseminar e reportar os problemas inerentes às marcas de ultra fast fashion. Partilhar tais publicações e analisá-las segundo um olhar crítico é crucial para o desmantelamento de operações que agravam a insustentabilidade do setor têxtil e de vestuário.

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