Tarda Boutique: Um mundo em segunda-mão

Em entrevista a Marta Sobral, fundadora da Tarda, redescobrimos a beleza de acolher uma peça cheia de histórias.
Em entrevista a Marta Sobral, fundadora da Tarda, redescobrimos a beleza de acolher uma peça cheia de histórias.

 

No dia 1 de abril, a Ethica viajou até ao Porto para conversar com a Marta Sobral, o nome por detrás da Tarda Boutique. Agora uma grande referência ao nível nacional, a Tarda oferece uma curadoria exemplar de modelos em segunda-mão, aliando uma forma de consumo mais sustentável ao gosto que os seus seguidores partilham pela moda. Falámos com a Marta para perceber o que a levou a criar a sua marca e quais são os processos que atualmente compõem a manutenção de uma loja de roupa em segunda-mão.

Ethica: Ainda te lembras de qual foi a primeira peça que compraste em segunda-mão?

Marta: Lembro-me da primeira peça que tive em segunda-mão, que foi adquirida através do armário da minha avó (ou da minha madrinha, porque elas moravam juntas). Eram umas calças Levi’s. Agora, não me lembro das primeiras peças que comprei, mas lembro-me da primeira loja em que comprei essas peças. A loja ficava perto do Bolhão, aqui no Porto, e chamava-se Absolutribut. (…) Para mim, comprar em segunda-mão era uma novidade, mas, na Absolutribut, a Joana [dona da loja] tinha uma seleção de peças incrível. A loja estava muito bem decorada. Na altura, eu era estudante, não tinha muito dinheiro e lembro-me de a Joana me deixar levar um saco cheio de roupa por cinco euros. A Joana inspirou-me muito, e foi ela que me iniciou na segunda-mão. Foi uma pessoa muito especial naquela época, com quem infelizmente perdi contacto.

E: Sempre tiveste uma relação muito próxima a este setor, mas de consumidora a curadora de peças vai um longo caminho. O que te levou a criar a Tarda?

M: Quando estava na faculdade, continuei a comprar em segunda-mão, mas eu estudei uma área que nada tem a ver com moda. Estudei turismo. Saí da faculdade, comecei a trabalhar nessa área – comecei nas caves do vinho do Porto, depois em hotelaria. Apesar de ser uma área de que eu gostasse na altura, não era uma área que me realizasse e, infelizmente, em Portugal, a hotelaria é um setor muito desvalorizado (valorizado para os turistas, desvalorizado para os trabalhadores). Visto que não me sentia realizada, a Tarda veio como uma necessidade pessoal, ao juntar algo de que eu gostava – e que já fazia no meu dia a dia – a algo profissional, que é o que faço [hoje].

E: Podes contar-nos um pouco mais sobre o processo de seleção das peças que compõem as tuas coleções?

M: Acho que essa talvez seja a pergunta mais feita, tanto por curiosidade, como por oportunidade de negócio. As pessoas dizem que o segredo é a alma do negócio, mas eu não posso concordar totalmente com isso, porque acho que não há nada de mal em partilhar com as outras pessoas um bocadinho do teu sucesso.

Em relação às peças, encontro-as em todo o lado. Se eu for a uma feira (por exemplo, a feira da Vandoma, no Porto) e vir uma peça de que goste e que sei que se enquadrará na Tarda, eu vou comprar aquela peça. Podes encontrar peças em markets, feiras municipais. Outra forma muito boa de conseguires boas peças é em wholesales de revendedores. As wholesales italianas são das melhores. São armazéns muito grandes e podes fazer a compra por videochamada, porque normalmente vendem por lotes. Imagina que queres um lote de peças dos anos 80… Podes comprar um lote de peças dos anos 80. Ou então dizes: “Esta semana, estou à procura de calças da Levi’s.” Por videochamada, mostram-te peças da Levi’s e podes comprar a partir daí.

E: O que te faz sentir achar que uma determinada peça é ideal para a Tarda? É o sentimento?

M: Não é só o sentimento, porque obviamente que o aspeto visual de uma peça conta muito, mas também tens de ter em conta a etiqueta de composição, onde é que a peça foi produzida, de que materiais é feita. Existem materiais mais resistentes, de melhor qualidade, e eu tenho sempre isso em conta. Por exemplo, o linho é um dos materiais mais sustentáveis e mais frescos, além de ser muito bonito. É tudo um processo e nem consigo pôr isto [os fatores que levam a adquirir uma peça] por ordem. Eu gosto daquela peça, observo-a e examino-a. É muito por intuição e por saberes, no meu caso, do que é que as Tarda Girls vão gostar. Ao longo destes anos, comecei a perceber aquilo de que o meu público vai gostar, o que é que vai vender mais e menos. Tento sempre ir ao encontro das expectativas das clientes. E, em geral, vai [também] ao encontro do meu gosto

E: E desde que adquires a peça até chegar ao consumidor, existe um processo de preparação da peça. Consegues explicar os passos necessários?

M: Muita gente pode pensar que é uma das partes mais entediantes, mas eu acho que é uma das partes mais essenciais da Tarda. Se cuidares bem de uma peça, se a lavares da forma correta, essa peça pode durar muito tempo. Portanto, a preparação das peças é muito importante, e eu gosto muito. Gosto de as pôr a lavar, as peças vêm a cheirar muito bem… Antigamente se calhar havia esse tabu de [roupa em] segunda-mão ser roupa suja, ou se calhar para um público mais pobre, e é importante desmistificar [isso] para quem compra. Segunda-mão não tem de ser só peças ao preço que nós [Tarda] fazemos. Podem ser peças de luxo, que vão para muitos milhares de euros. É importante ir quebrando essas ideias e acredito que hoje muitas pessoas associem a segunda-mão a algo bom e positivo.

E: Sentes que a segunda-mão é uma tendência ou uma forma de comprar que vai estar cada vez mais enraizada nos nossos hábitos?

M: Neste momento, a roupa em segunda-mão está mais popular, o que é excelente. As pessoas começam a ter um consumo um pouco mais consciente. Mas espero que isto se vá enraizando nas próximas gerações. Acredito que muita gente que continua a comprar em lojas de fast fashion continue a fazê-lo para o resto da sua vida. Quando tomas o gosto e [sentes] aquela adrenalina de entrares numa loja e não saberes o que vais encontrar… É uma caça ao tesouro, é aquela caça pela peça que tanto querias. E a surpresa de quando a encontras, a felicidade de encontrar a peça perfeita em segunda-mão.

E: O que dirias a alguém que nunca comprou uma peça de roupa em segunda-mão e que tem receio em fazê-lo?

M: Tal como tudo, acho que temos de dar uma oportunidade. Tal como dás uma oportunidade a uma nova bebida, a uma nova comida, a um novo destino de viagens, dar uma oportunidade à segunda-mão é abrires um mundo de possibilidades no que toca à moda. É experimentar e ir sem expectativas. Ir com muita paciência, com tempo, principalmente se for uma loja com muitos artigos. E ir com um objetivo, que pode ser a nível monetário, pode ser uma peça que queiras… Se fores com um objetivo, não compras de forma desmesurada e não compras coisas desnecessárias. Mas, no geral, é isso: dar uma oportunidade, experimentar e se calhar começar pela Tarda!

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