Qual é o destino da roupa que ninguém compra?

Todos os anos são descartadas toneladas de roupa, algumas usadas, outras que nem chegam a ser vendidas. E por muitas voltas que possam dar, a grande maioria acaba no lixo.
Todos os anos são descartadas toneladas de roupa, algumas usadas, outras que nem chegam a ser vendidas. E por muitas voltas que possam dar, a grande maioria acaba no lixo.

Ideias a retirar:

Seis milhões de toneladas de têxteis são descartadas todos os anos na União Europeia, e muitas são peças que nunca chegaram a sair das prateleiras das lojas. 

Em maio de 2023, a União Europeia anunciou que iria banir a destruição de peças de roupa nos Estados-membros, mas ainda não existem infraestruturas para gerir estes resíduos têxteis. 

Uma simbólica minoria do desperdício têxtil é reciclado ou reutilizado. O resto percorre caminho até chegar a um aterro sanitário, geralmente em países do Sul global. 

Países como o Gana ou o Chile estão a ser negativamente afetados, tanto ao nível ambiental como socioeconómico, pela permanência de lixo têxtil no seu território.

Enquanto cidadãos, devemos manter as nossas peças em circulação o máximo de tempo possível.

 

O desperdício têxtil é uma daquelas temáticas que, de vez em quando, vai fazendo manchetes. Recentemente, voltou-se a discutir este problema à luz das declarações da União Europeia, nas quais se comprometeu banir as práticas de destruição de roupa decorrentes nos Estados-membros. Apesar de ser uma medida consensual – a incineração de roupa traz graves consequências ambientais, para além de ser uma escapatória “fácil” à responsabilidade de gestão de resíduos das marcas – persiste a seguinte questão: o que se deve fazer, então, às roupas que ninguém quer? A resposta pode seguir vários caminhos, mas quase todos são desfavoráveis.

A Comissão Europeia estima que quase seis milhões de toneladas de roupa sejam descartadas numa base anual. Destas, apenas um quarto é encaminhado para a reciclagem. E mesmo entre essas, nem todas chegam a receber uma nova vida.

Ao contrário do que se poderia pensar, nem só de roupa usada se faz o lixo têxtil; há um número significativo de peças novas que ganham a mesma conotação por nunca terem sido vendidas. Esse número ronda os 30% dos produtos de moda vendidos ao nível mundial, segundo o Parlamento Europeu, e é uma das consequências mais alarmantes da produção excessiva.

Durante muitos anos, as empresas destruíam o que restava dos seus stocks, por exemplo, através da incineração. Esta era uma prática realizada principalmente pelas marcas de moda de luxo, que procuravam manter a exclusividade das suas peças ao impedir que chegassem ao mercado em segunda-mão. No entanto, como se referiu acima, a destruição vai deixar de ser uma solução em território europeu. Enquanto as marcas não adotarem iniciativas internas de gestão de resíduos pré e pós-consumo, a grande maioria dos têxteis descartados terá como destino um aterro.

O problema é tão grave que já existem aterros sanitários unicamente dedicados aos resíduos de roupa. Estes estendem-se por milhares de quilómetros, ainda que muitos de nós nunca se tenham deparado com a sua existência. Porquê? Porque, apesar de ser nos países ditos “desenvolvidos” onde se realiza a grande percentagem de consumo e descarte, não são estes que têm de lidar com o desperdício consequente.

O mercado internacional desenvolveu uma ávida estratégia de exportação e importação de resíduos têxteis, segundo a lógica de que, aquilo que no Norte global é tido como lixo, pode ter valor em países do Sul. África, Ásia e América do Sul são os continentes que mais albergam o desperdício de roupa do Ocidente, em valores que apenas tendem a aumentar. De acordo com o Parlamento Europeu, a exportação de resíduos têxteis subiu de 400 mil toneladas em 2003 para mais de um milhão em 2019.

No princípio, o intuito desta exportação passava por facultar bens a preços mais baixos a países que pudessem beneficiar da sua compra. Todavia, a produção (e consequente descarte) de roupa aumentou de tal forma que as peças chegam hoje em quantidades desmedidas, para além de revelarem uma qualidade reduzida, tornando a maioria inutilizável. Desta forma, os países importadores transformaram-se em aterros de roupa, como é o caso preocupante do deserto de Atacama, no Chile, ou do mercado de Kantamanto, em Acra, no Gana.

Esta realidade traz consequências ambientais, sociais e económicas para os países. E o mercado internacional está bastante ciente disso. Aliás, em 2018, a China proibiu por completo a importação de resíduos sólidos para reciclagem, dado que não estava a ser capaz de lidar com o lixo gerado (e estamos a falar da China, um dos países que atualmente mais infraestruturas tem para lidar com o desperdício de plásticos e têxteis).

Ao nível ambiental, está claro como os aterros têxteis contribuem para a poluição do ar, da água e dos solos. Muitas das roupas que chegam a estes países são feitas de materiais provenientes de combustíveis fósseis, como poliéster, que demoram milhares de anos a decompor-se. Todo o processo é, de forma geral, nocivo para o Planeta Terra e para quem vive rodeado destes resíduos.

Numa perspetiva social e económica, a venda destas peças em mercados de segunda-mão está a inibir o desenvolvimento das indústrias têxteis locais, que eram uma parte integrante do equilíbrio financeiro das comunidades. Para além disso, vemos perderem-se técnicas ancestrais de artesanato – muitas delas que seguem métodos de produção altamente mais sustentáveis do que os da indústria da moda ocidental –, porque a população encontra na importação uma forma mais barata de comprar roupa.

Em suma, e como se encontra declarado no relatório do Parlamento Europeu de 2022, “o desperdício [têxtil] está a ser exportado para países incapazes de lidar com ele”. Enquanto cidadãos europeus, existem duas grandes formas como podemos fazer a nossa parte para minimizar este problema:

  1. Manter as peças de roupa que temos em circulação o máximo de tempo possível. Isto pode ser feito através da sua reutilização em casa ou, se não for possível, guardar os produtos em vez de os colocar no lixo indiferenciado.
  1. Apoiar organizações que estão a trabalhar no terreno para garantir que existe legislação e apoio às comunidades afetadas pelos aterros têxteis. É o caso da The OR Foundation, que tem feito um trabalho brilhante no mercado de Kantamanto, em Acra.

Por fim, seria erróneo não mencionar o quão importante é diminuir a produção de têxteis. Já existem peças suficientes para vestir todos os habitantes do Planeta durante várias gerações. Neste momento, temos de nos concentrar em aprender a lidar com o nosso desperdício até termos o direito de gerar mais.

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