Porque é que a moda sustentável é mais cara?

Parece uma pergunta simples, mas a resposta vai desafiar algumas das nossas crenças mais elementares. O que é caro? O que é barato? E porque é que os preços de um produto são alvo de uma das maiores discussões da indústria?
Parece uma pergunta simples, mas a resposta vai desafiar algumas das nossas crenças mais elementares. O que é caro? O que é barato? E porque é que os preços de um produto são alvo de uma das maiores discussões da indústria?

Ideias a retirar:

Desde a difusão da fast fashion, o consumidor comum tem uma perceção diferente do que é “caro” e “barato”. 

A moda sustentável apenas é mais cara quando é considerada no ato da compra. Quando olhamos para a durabilidade da peça, a avaliação tende a ser diferente.

Há dois fatores essenciais que afetam o preço (e a sustentabilidade) de uma peça de roupa: os materiais e os salários dos trabalhadores.

Porém, aquilo que mais impacta o custo de produção do vestuário é o seu volume de produção, podendo beneficiar (ou não) das economias de escala.

A moda sustentável não tem de ser “cara” – há várias ações que têm um custo reduzido em comparação à compra de fast fashion.

 

Por vezes, chegam-nos pergunta acerca de materiais. Outras vezes, discutimos métodos de produção com os leitores. Porém, a pergunta que mais chega às nossas plataformas é “porque é que a moda sustentável é mais cara?” Já tentámos resumir alguns dos motivos num vídeo publicado no Instagram. Mas, como 90 segundos não são suficientes para abordar todos os fatores de um problema tão complexo, voltamos a debruçar-nos sob este tema.

A melhor forma de perceber aquilo que a maioria das pessoas considera “caro” é olhando para o oposto – isto é, aquilo que é considerado “barato”. Na moda, a resposta não é muito difícil. Geralmente, quando nos referimos a moda barata, tendemos a sublinhar as ofertas das marcas de fast fashion (mesmo que não sejam as propostas com o preço mais baixo do setor). Com a proliferação das cadeias de moda rápida, tornou-se comum adquirir uma t-shirt por cinco ou dez euros. Por outro lado, quando visitamos o website de uma marca mais responsável, produtos similares podem ultrapassar os cinquenta euros. Nessa comparação, nasce a dicotomia entre “caro” e “barato”.

Contudo, será que pagar cinquenta euros por uma peça de roupa simples foi sempre considerado “caro”? Antes da propagação de modelos de negócio como a fast fashion, a moda existia num ciclo de consumo e descarte lento por um grande motivo: o seu preço. Dado que as peças de roupa representavam um custo considerável para as famílias, estas eram mais valorizadas, por exemplo, através do prolongamento do seu ciclo de vida (com arranjos e remendos) e do seu consumo com frequência moderada.

Numa altura em que a maioria das peças é considerada “barata”, essa valorização perdeu-se. Por representar um custo reduzido, é mais fácil consumir em excesso e descartar ao invés de investir na sua reparação. E o que é que isso significa quando observamos um período mais longo de tempo? Paradoxalmente, embora o preço por unidade tenha reduzido, tal não resultou numa redução nas despesas em vestuário da maioria das famílias. Ao comprar peças mais baratas que necessitam de ser substituídas com maior regularidade, os gastos nesta categoria mantêm-se elevados – apenas se encontram diluídos ao longo do tempo.

É um simples exercício de matemática. Se uma t-shirt custa dez euros, mas precisa de ser substituída todos os anos, num período de dez anos gastam-se cem euros em t-shirts. Todavia, se adquirirmos uma t-shirt por cinquenta euros, mas a sua qualidade permitir que a peça se mantenha intacta ao longo de dez anos, gastam-se apenas cinquenta euros no mesmo período de tempo. No ato da compra, escolher a peça mais barata parece uma opção financeiramente favorável; no entanto, com uma visão de longo prazo, a realidade mostra o contrário.

Mesmo assim, esta lógica ainda não responde à pergunta de abertura. Se é possível para algumas marcas produzir peças de roupa a cinco e dez euros, porque é que outras marcas não o podem fazer? Regra geral, porque as condições de produção são completamente distintas – e é isso que explica também o maior ou menor nível de sustentabilidade de uma marca.

Comecemos pelos materiais, que representam uma percentagem elevada do custo de produção de uma peça de roupa. A maioria das marcas de fast fashion revela um portefólio de vestuário composto, em grande parte, por materiais sintéticos (poliéster, nylon, acrílico, entre outros). Embora seja um grupo de fibras mais poluente – em comparação às fibras naturais, por exemplo –, dada a sua ligação aos combustíveis fósseis, também são fibras cujo custo é mais baixo, o que se vai traduzir num preço também mais baixo da peça de roupa. Por outro lado, quando uma marca de moda opta por materiais naturais, reciclados ou provenientes de tecnologia inovadora – que, em muitos parâmetros, representam um impacto menor para o ambiente – o preço do produto tende a ser mais elevado, já que o custo do material é, também, mais elevado.

Há um segundo componente que tem um grande peso no preço do vestuário: os salários dos trabalhadores. Não é por acaso que a produção de muitas marcas de fast fashion se localiza em países do Sul asiático, como o Bangladesh, o Vietname ou o Mianmar. Estas são regiões onde a mão de obra é tipicamente mais barata e, por consequência, o custo de produção da peça de roupa será mais reduzido. Por exemplo, no ano de 2023, o salário mínimo de um trabalhador no Bangladesh é 8000 tacas, o que corresponde a cerca de 70 euros. Em Portugal, o salário mínimo atinge, em 2023, os 760 euros, representando uma diferença considerável no que toca ao preço do trabalho na produção de uma peça de roupa.

Tanto no Bangladesh como em Portugal, no entanto, o salário mínimo não cobre as despesas essenciais dos trabalhadores, não sendo, por isso, um living wage. Uma marca que se considere mais sustentável deve apostar em remunerações dignas, o que, consequentemente, encarecerá o custo de produção.

Contudo, estes ainda não são os fatores que têm o maior peso na diminuição (ou aumento) do custo de produção. Para isso, precisamos de analisar o volume da produção. É aqui que entra um princípio económico essencial: as economias de escala. Esta regra indica que quanto mais se produz, menor é o custo de cada unidade produzida. Isto acontece porque existem despesas (como a renda da fábrica, o custo da máquina de costura, entre outros) que tendencialmente não aumentam com o aumento do volume de produção, ficando, por isso, diluídos no preço.

As marcas de fast fashion fazem um uso inteligente das economias de escala, com o objetivo de reduzir ao máximo o custo de produção de cada unidade. Muitas vezes, o seu modelo de negócio beneficia de uma produção em excesso (isto é, superior às unidades que serão vendidas aos consumidores) pelo facto de que isso se traduzirá em preços mais baixos para cada peça – e já sabemos que, regra geral, quanto mais baixos são os preços de uma peça de vestuário, mais esta se vende.

No entanto, esta prática tem um lado obscuro: o seu impacto ambiental. Ao produzir bens que nunca chegarão a ser vendidos, as grandes marcas estão a contribuir para as toneladas de desperdício têxtil que chegam aos aterros todos os dias. Não obstante ser uma prática eficiente do ponto de vista económico, é extremamente prejudicial para o ambiente e, por isso, é evitada por marcas que procuram modelos de negócio mais sustentáveis.

Se as marcas mais sustentáveis não beneficiam das economias de escala, por motivos ambientais, o que acontece aos seus custos de produção? Aumentam. Chamamos a estas marcas “pequenas” porque o seu volume de produção é muito inferior ao das marcas de fast fashion, o que é positivo para a sustentabilidade, mas negativo se o seu objetivo for apresentar peças “baratas” (segundo a conceção atual) aos seus consumidores.

É por isso que, quando falamos de preço, a moda sustentável pode não ser “barata” em comparação às marcas de fast fashion, mas não deixa de ser acessível. É acessível aos consumidores que conseguem fazer investimentos maiores em peças de roupa e prolongar o seu tempo de vida. É acessível aos trabalhadores, que não passam fome nem têm de abdicar de uma vida digna, apenas para receberem salários que suportam preços “baratos”. E é acessível do ponto de vista ambiental, a partir do momento em que a sua produção não é visualizada em detrimento da saúde do Planeta.

Há ainda vários meios a partir dos quais a moda sustentável pode corresponder à ideia contemporânea do que é “barato”. Comprar em segunda-mão é muitas vezes mais barato do que comprar em marcas de fast fashion. Reparar uma peça de roupa é, em muitos casos, mais barato do que comprar uma nova. E continuar a usar aquilo que já temos é a ação mais sustentável de todas, sendo conseguida a custo zero. Afinal, a moda sustentável até pode ser muito barata.

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