Ideias a retirar:
A moda tem uma relação muito próxima ao sexo feminino, dado que este compõe a maioria da sua força laboral e dos seus alvos de consumo.
Ainda que, na comunicação, as marcas deem prioridade ao empoderamento, o mesmo não acontece na cadeia de produção, onde o abuso das trabalhadoras é frequente.
Perpetuar estereótipos femininos é também uma forma como a moda beneficia dos mecanismos de opressão sociais vigentes.
O feminismo é essencial às correntes de sustentabilidade social, nomeadamente através da obtenção de um salário justo e da erradicação da discriminação de género.
Na sua relação com o ambiente, nasce o ecofeminismo, sob a premissa de que a desigualdade entre sexos e os problemas ambientais estão interligados.
Desde os seus primórdios que a moda revela uma relação muito próxima ao sexo feminino. E, em pleno século XXI, pouco mudou. Por um lado, as mulheres constituem a grande maioria da força de trabalho que possibilita a ascensão da indústria. Embora os seus nomes raramente se encontrem nos quadros executivos ou nos grandes cargos criativos, é nas fábricas que estas se encontram em grande número, incluindo nos países do Sudeste Asiático, onde muitas marcas de moda subcontratam a sua produção.
Por outro lado, as mulheres são também o alvo principal do consumo de produtos de moda. Modelos de negócio como a fast fashion posicionam as suas estratégias de marketing na direção de pessoas que se identificam com o género feminino, com foco em jovens mulheres que ainda não possuem rendimento próprio.
Perante esta realidade, e com a introdução de teorias feministas na sociedade civil, diversas marcas optaram por direcionar as suas comunicações para uma lógica de empoderamento, apresentando a moda como uma ferramenta para a igualdade entre sexos. Não obstante, esses não são os contornos que se desenrolam nos bastidores. A indústria da moda tem suportado mecanismos de opressão do sexo feminino, que impactam não apenas a sua cadeia de produção, mas também as suas consumidoras.
“We should all be feminists” ou, em português, “todos devíamos ser feministas” foi uma frase que se espalhou entre t-shirts vendidas por marcas de luxo e de fast fashion, escondendo em si uma mensagem que em nada se assemelhava ao feminismo. Nos bastidores, mulheres, jovens mulheres e, em alguns casos, crianças, eram as responsáveis pela produção daquelas peças de roupa, pela qual eram remuneradas valores inferiores ao salário mínimo. Muitas vezes, estas trabalhadoras eram alvo de discriminação e de abuso verbal e sexual nos locais de trabalho, sem que ninguém fosse responsabilizado por estes crimes.
Aquilo que, à partida, parecia uma mensagem de empoderamento, não passava da perpetuação de dinâmicas de poder que inferiorizam os membros do sexo feminino nas cadeias de produção da moda há séculos. Os consumidores destas peças são geralmente cidadãos do Ocidente, que desconhecem (na sua maioria) este tipo de práticas misóginas, mas que, mesmo assim, não estão completamente livres de outras formas de opressão.
Em países como a Europa ou os Estados Unidos da América, a moda tem desempenhado um papel crucial na perpetuação de estereótipos de beleza femininos, com os quais as mulheres ainda hoje se batalham. A publicidade, as revistas de moda e os desfiles de apresentação das coleções tornaram-se mecanismos para a promoção de tendências ao nível de tipos de corpo, formas de estar e de vestir, que condicionam o sexo feminino até nas regiões ditas “desenvolvidas”.
Analisando a sustentabilidade segundo os seus três principais pilares, é fácil perceber como o feminismo se integra com o seu campo social. A promoção da igualdade entre sexos passa, por exemplo, pela eliminação da discriminação e das ocorrências de abuso na cadeia de produção, bem como o pagamento de um salário justo. Este não só permitiria uma melhor gestão da vida doméstica que, em muitos países do Sudeste Asiático, ainda se encontra unicamente ao cargo do sexo feminino, mas também acabaria por promover o acesso à educação, facilitando a ascensão social e profissional destas trabalhadoras.
Do lado do consumidor, a sustentabilidade social debruça-se sob a celebração da expressão individual, ao erradicar quaisquer ferramentas de comunicação que reduzam o ideal feminino a um único dogma. A moda mais ética é aquela que segue uma estrutura de promoção de liberdade, sem tendências ou anúncios que ditem aos consumidores aquilo que deveriam aspirar a ser.
Existem ainda inúmeras formas como o feminismo se intersecta com a sustentabilidade económica e social. Embora não tenhamos a oportunidade de as detalhar de forma exaustiva, aconselhamos a leitura desta publicação no Instagram criada pela ambientalista ecofeminista Joana Guerra Tadeu e pela plataforma de media Gender Calling.
O ecofeminismo é uma corrente que remonta a 1974, ano em que o conceito foi cunhado pela escritora francesa Françoise d’Eaubonne no livro Le Féminisme ou la Mort. Na International Encyclopedia of the Social & Behavioral Science, publicada em 2015, Susan Buckingham explica o ecofeminismo segundo as seguintes palavras:
“Ao unir o feminismo e o ambientalismo, o ecofeminismo defende que a opressão das mulheres e a degradação do ambiente são consequências do patriarcado e do capitalismo. Qualquer estratégia direcionada a um deve ter em consideração o seu impacto no outro, de modo a que a igualdade das mulheres não seja conseguida à custa da deterioração do ambiente, e que nem as melhorias ambientais sejam adquiridas à custa das mulheres. Na verdade, o ecofeminismo propõe que apenas ao reverter os valores correntes, privilegiando assim o cuidado e a cooperação em detrimento de comportamentos mais agressivos e dominantes, pode beneficiar tanto a sociedade quanto o ambiente.”
A definição acima pode facilmente ver-se refletida na relação entre uma indústria da moda mais sustentável e o seu tratamento das mulheres. No entanto, é importante reforçar que, tal como o feminismo não é um movimento a ser levado a cabo apenas pelo sexo feminino, o mesmo acontece com o ecofeminismo. Corremos o risco de colocar o fardo da luta climática nas mulheres – algo que vemos acontecer atualmente no setor mais sustentável do vestuário – aprofundando as desigualdades que já caracterizam o sistema.
Na moda, não há sustentabilidade sem feminismo. Mas também não há ecofeminismo sem alterações profundas nos sistemas políticos e sociais vigentes, que requerem a participação de todos.
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