Primeiro os salários, depois os preços: uma nova forma de valorizar a moda

A organização Union of Concerned Researchers in Fashion propõe um modelo de preço worker-centric, para que os trabalhadores sejam uma parte essencial da equação de custos da moda.
A organização Union of Concerned Researchers in Fashion propõe um modelo de preço worker-centric, para que os trabalhadores sejam uma parte essencial da equação de custos da moda.

Ideias a retirar:

Na indústria da moda, as grandes marcas tendem a fixar o preço que querem pagar às fábricas subcontratadas, solicitando custos de produção apenas suportados por baixos salários.

O modelo de preço worker-centric reverte esta hierarquia, colocando a remuneração digna no topo das prioridades. 

Um salário digno cobre todas as despesas essenciais de um trabalhador e dos seus dependentes, como a alimentação, a habitação, a educação, a saúde, entre outros.

A Union of Concerned Researchers in Fashion ainda está a estudar este modelo de preço worker-centric e as marcas podem juntar-se à investigação.

 

Apesar de ser um tema tipicamente reservado aos bastidores da indústria da moda, é importante para qualquer cidadão perceber como o preço dos produtos é formado. Na moda, esse tema torna-se ainda mais relevante quando se procuram implementar modelos de negócio sustentáveis, em que não só o Planeta, mas também as pessoas são consideradas. Nesta publicação, vamos explorar o poder que as marcas exercem sobre a sua cadeia de produção e apresentar o modelo de preço worker-centric proposto pela Union of Concerned Researchers in Fashion (UCRF) em meados de 2023.

“Um modelo de preço worker-centric é uma forma de definir o preço dos bens com base nas despesas essenciais semanais dos trabalhadores, e não no que as marcas determinam que o mercado está disposto a pagar”, pode ler-se no website da UCRF. A segunda parte desta definição é crucial para perceber a influência que as grandes marcas de moda detêm sobre os seus fornecedores – e como isso, em consequência, afeta o custo de produção dos bens de moda.

Imaginemos o seguinte cenário: uma marca de fast fashion procura uma fábrica têxtil com a qual possa trabalhar para manufaturar um determinado produto. A sua encomenda traduz-se em milhares de unidades produzidas e, nesse sentido, é atrativa para a grande maioria dos fornecedores. Ao saber o poder que a sua encomenda representa, a marca negoceia com várias fábricas, procurando aquela que lhe faça o preço mais competitivo (leia-se, o preço mais baixo). As fábricas são, por isso, obrigadas a reduzir os seus custos de produção, para tentar apresentar a proposta mais favorável e garantir a encomenda.

Onde é que esses custos são reduzidos? Os dois grandes elementos que compõem o preço de produção de uma peça de roupa são os materiais e os salários dos trabalhadores. Tendo em conta que a maioria das fábricas subcontratadas não é responsável pela produção das fibras (a cadeia de produção de moda é complexa, com inúmeros intervenientes para cada fase), a pressão é colocada sob os trabalhadores, que veem os seus salários reduzidos ao mínimo possível – geralmente, o definido por lei.

O modelo de preço worker-centric vem reverter esta hierarquia de poder. Ao invés de as marcas fixarem os preços que desejam pagar às fábricas subcontratadas, a teoria sugere que sejam os fornecedores a definir o seu preço, após serem garantidas remunerações dignas aos trabalhadores.

É importante recordar que os salários mínimos nacionais nem sempre correspondem ao valor necessário a um living wage (em tradução livre, salário digno). De acordo com a Global Living Wage Coalition, um salário digno corresponde à “remuneração recebida numa semana regular e num local específico, que é suficiente para cobrir um estilo de vida digno para o trabalhador e para a sua família. Os elementos de um estilo de vida digno incluem o acesso à alimentação, água, habitação, educação, saúde, transportes, roupa e outras necessidades essenciais, incluindo provisões para eventos inesperados”.

Explicada a teoria, é tempo de abordar como é que o modelo de preço worker-centric se aplica na prática. A Union of Concerned Researchers in Fashion preparou um documento Word, que pode ser acedido gratuitamente através do seu website, no qual estão detalhados os passos necessários à concretização deste modelo. Resumimo-los aqui:

  1. Recolher informação, a partir dos trabalhadores, acerca das suas despesas de vida essenciais (de preferência, na moeda local). Podem ser colocadas questões como: quanto gastas em comida, renda da casa, transporte, entre outros, por semana?
  2. Recolher informação acerca do número de horas que os trabalhadores estão dispostos a operar, asseguradas as suas responsabilidades pessoais e familiares do quotidiano.
  3. A partir dos valores recolhidos, calcular uma remuneração por hora que cubra as despesas essenciais referidas.
  4. Rotular este valor de “trabalho” e inseri-lo no cálculo dos custos de produção de um item de moda.
  5. Calcular a totalidade dos custos de produção (materiais, trabalho, acessórios, despesas da fábrica, etc.) e, com esses, definir o valor a apresentar às marcas.

 

Caso este exercício seja feito num ambiente de educação, como uma universidade, é igualmente valioso comparar os resultados obtidos com os valores praticados habitualmente na indústria da moda. Na maioria dos casos chegar-se-á à conclusão de que os modelos vigentes não comportam o pagamento de salários dignos aos trabalhadores subcontratados.

A Union of Concerned Researchers in Fashion irá recolher testemunhos de várias marcas e outros intervenientes do setor têxtil e de vestuário, esperando, no final de 2023, apresentar conclusões acerca das vantagens e desvantagens do modelo de preços worker-centric.

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