Como implementar a circularidade na moda?

Há várias formas de trazer estratégias circulares para a indústria têxtil e de vestuário. Aqui, estão quatro exemplos de modelos de negócio que desafiam os princípios da economia linear.
Há várias formas de trazer estratégias circulares para a indústria têxtil e de vestuário. Aqui, estão quatro exemplos de modelos de negócio que desafiam os princípios da economia linear.

Ideias a retirar:

A economia circular opõe-se à economia linear, que pode ser definida em três passos: extrair, produzir e descartar.

Quando a circularidade é implementada na moda, pressupõe-se que um produto não tem fim, podendo ser reutilizado de inúmeras formas.

Os mercados de troca dispensam a circulação de dinheiro, dando prioridade ao valor associado a cada peça de roupa. O seu objetivo é prolongar o tempo de vida dos produtos.

A venda e compra em segunda mão aplica um princípio similar, mas o facto de integrar uma componente monetária facilita o consumo excessivo de moda.

Através de técnicas de upcycling, as peças são transformadas para ascenderem em valor (monetário, emocional, criativo, etc.).

A reciclagem deve ser a última opção da circularidade, visto que nem todos os produtos de moda podem ser reciclados.

A moda circular é uma filosofia que se deve aplicar em todos os passos da cadeia de produção, mas principalmente no seu começo. É quando a peça é planeada que se pode tornar verdadeiramente circular.

Há tantas formas de definir a circularidade que é mais fácil começar por ditar aquilo que este conceito não comporta. Acima de tudo, a economia circular (da qual deriva a moda circular) existe em oposição ao tipo de economia que prevalece atualmente: a economia linear. Esta traduz-se num modelo baseado em três processos: extrair, produzir e descartar – vulgarmente conhecidos em inglês como “take, make, waste”. Isto significa que os recursos são retirados do meio ambiente para criar os produtos de que necessitamos, chegando a um final de vida no qual deixam de ser valorizados.

O objetivo da circularidade é, tal como o nome indicia, criar um modelo em que os recursos não percam valor, através de uma cadeia de reutilização sem fim. Existem inúmeras soluções para a implementação deste conceito na moda, nomeadamente com o objetivo de prolongar a vida de um produto quando este parece estar a chegar ao seu limite. De seguida, apresentamos quatro modelos de negócios que operam segundo estes princípios, fazendo jus aos valores da moda circular.  

 

Mercados de trocas

As roupas, por si só, têm valor. Não precisam de estar associadas a uma quantia monetária para percebermos o quão valiosos são os materiais e as técnicas de artesanato associadas à criação de cada peça. Nesse sentido, porque não podemos utilizar as próprias roupas como uma moeda de troca, em vez de utilizar… moedas? Na verdade, até podemos – é esse o princípio de um mercado de trocas.

A ideia é tão simples quanto a designação faz parecer. Várias pessoas reúnem-se num espaço para trocar as suas peças de roupa, com o intuito de prolongar a sua frequência de utilização. Já não serve? Servirá a outra pessoa. Já não gostas? Outra pessoa gostará. Tal como temos algo no nosso armário que poderá servir melhor os outros, também os outros têm algo para nós.

Os mercados de trocas podem ser implementados a partir de estruturas formais, por exemplo, organizadas por uma associação especializada. E também podem ser realizados entre amigos e conhecidos que procuram dar uma nova vida às suas peças de roupa.

 

Upcycling

A circularidade é o princípio por excelência de quem adota técnicas de upcycling no seu guarda-roupa. Não importa quais sejam os materiais utilizados, muito menos a forma como este conceito se materializa. Só há um critério de classificação de upcycling: quando terminada a transformação, a peça tem de ter mais valor do que tinha antes de ser transformada. E esse valor não tem de ser necessariamente monetário – pode ser emocional, criativo, entre outros.

Terminado este processo, desafia-se o modelo linear adjacente às criações de moda presentes, dado que o “velho” se transforma em “novo” sem ser necessário substituir a peça de roupa em questão.

 

Vender e comprar em segunda mão

À semelhança dos mercados de trocas, a venda e compra em segunda mão tem o objetivo de prolongar o tempo de vida de um produto de moda, transferindo as peças e acessórios para uma nova casa, para um novo dono. A grande diferença é que, neste caso, a troca é monetária, visto que pagamos por estas roupas “novas” (novas nas nossas mãos, isto é).

Essa diferença tem as suas vantagens e desvantagens. Por um lado, não temos de ceder nenhuma das nossas peças de roupa para adquirir peças novas. A troca monetária permite encontrar estilos diferentes, por alcançar um público muito mais abrangente do que aquele que geralmente frequenta um mercado de trocas. Por outro lado, torna-se muito mais simples consumir em excesso, pois é possível aplicar à segunda mão os hábitos de consumo que durante muito tempo associámos à compra de peças novas. É precisamente por ser uma prática conveniente que devemos estar mais atentos aos seus possíveis problemas.

 

Reciclagem

Quando já não é possível trocar, transformar ou comprar em segunda mão, a forma mais simples de oferecer uma nova oportunidade aos materiais que compõem uma peça de roupa é através da reciclagem. Esta deve ser a última opção para implementação da circularidade na moda, porque nem todos os produtos podem ser reciclados. Para além disso, se compararmos o volume de produção da indústria ao volume de reciclagem, chegamos à conclusão de que não existem infraestruturas suficientes para manter em circulação – neste caso, através da reciclagem – a quantidade de roupa confecionada anualmente.

Mesmo assim, a reciclagem tem as suas vantagens, principalmente por ser o destino predileto das peças que já não podem mesmo ser utilizadas (por exemplo, por estarem estragadas). Este processo vai além do upcycling no sentido em que não transforma a roupa “velha” numa roupa “nova”, mas sim desmancha por completo os seus materiais de maneira a criar fibras têxteis que possam ser utilizadas novamente. Por esse motivo, não é necessário fazer uma criação similar à peça antiga – há inúmeras opções para a reutilização de materiais reciclados.

 

Emboras todas estas estratégias circulares sejam confrontadas com alguns desafios, são inegavelmente uma opção mais sustentável do que a atual economia linear refletida nas cadeias de produção de moda. É preciso denotar que não é só no seu final de vida que é possível prolongar a duração de um produto – muitas vezes, é a forma como este é pensado desde o início que dita o seu potencial circular. Por exemplo, criar uma peça a partir de uma única fibra facilita a sua reciclagem no futuro. Da mesma maneira, quanto maior for a qualidade dos materiais e acessórios utilizados, maior é o potencial da peça para ser futuramente trocada, vendida ou até passada de geração em geração.

Muito mais do que uma estratégia de negócio – que, sim, tem vantagens financeiras – a circularidade é uma filosofia que está imbuída em cada passo da criação de moda. Quando pensamos num produto como um recurso sem fim, abre-se um sem-número de portas para as possibilidades do setor.

 

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