Como é que os salários dignos contribuem para a sustentabilidade ambiental?

Para além de revelar benefícios significativos no campo social, pagar aos trabalhadores um salário que cubra as suas despesas essenciais tem vantagens para o ambiente.
Para além de revelar benefícios significativos no campo social, pagar aos trabalhadores um salário que cubra as suas despesas essenciais tem vantagens para o ambiente.

Ideias a retirar:

A esmagadora maioria dos trabalhadores da moda não recebe um salário digno, ou seja, uma remuneração que cubra as suas despesas essenciais. 

Para além de ter vantagens sociais, a implementação de salários dignos na moda contribui para a sustentabilidade ambiental do setor.

Um dos motivos debruça-se sobre o facto de que o pagamento de salários é “neutro em carbono”, ao contrário de outras medidas de inovação para a sustentabilidade.

As suas vantagens explicam-se também a partir do reverse rebound effect, já que o dinheiro gasto em salários não será gasto noutras ações que têm um impacto negativo para o ambiente.

Quanto mais elevados forem os salários, mais elevados serão também os preços dos produtos, o que provocará uma diminuição do consumo.

 A implementação de salários dignos permite aos próprios trabalhadores manter um estilo de vida mais sustentável.

 

 

 

Quando o documentário The True Cost foi apresentado em 2015, houve uma estatística que, embora extremamente relevante, foi por muitos esquecida, traduzida no facto de apenas 2% dos trabalhadores da indústria têxtil e de vestuário receberem um salário digno. Atualmente, os números podem ser ligeiramente diferentes; no entanto, a mensagem não mudou. A esmagadora maioria dos trabalhadores de moda continua a não receber um salário digno, e isso está a trazer consequências negativas para a sustentabilidade ambiental.   

Mas antes de avançarmos para essa teoria, é importante esclarecer o conceito que pode causar mais confusão. Afinal, a que nos referimos quando falamos de um salário digno (conhecido em inglês como living wage)? De acordo com a Global Living Wage Coalition, um salário digno corresponde à “remuneração recebida numa semana regular e num local específico, que é suficiente para cobrir um estilo de vida digno para o trabalhador e para a sua família. Os elementos de um estilo de vida digno incluem o acesso à alimentação, água, habitação, educação, saúde, transportes, roupa e outras necessidades essenciais, incluindo provisões para eventos inesperados”.

Na maioria dos países, um salário mínimo não pode ser considerado um salário digno, por não corresponder ao valor necessário para cobrir essas despesas essenciais. Na verdade, estima-se que a média esteja longe disso. A organização The Industry We Want, financiada por ONGs de cariz social e pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros dos Países Baixos, investigou a diferença entre o salário mínimo e o living wage de 28 dos países que mais produzem bens de moda, chegando à conclusão de que seria necessário, em média, aumentar o salário mínimo em 48,5% para alcançar uma remuneração capaz de suportar um estilo de vida digno.

Há várias vantagens do ponto de vista social que resultam da prevalência de salários dignos na indústria da moda: níveis de educação e saúde mais elevados, contribuição para a erradicação da fome e da pobreza, aumento da qualidade de vida generalizada da sociedade. Todavia, não é dessas vantagens que vamos falar hoje. Vamos, sim, apresentar a teoria de que o pagamento de salários dignos tem benefícios para o ambiente – muito mais do que a maioria dos programas de redução das emissões de carbono que vemos implementados por muitas marcas de moda.

Para Roland Geyer, o número é 65 milhões de toneladas. No seu livro The Business of Less: The Role of Companies and Households on a Planet in Peril, publicado em 2021, o professor estadunidense procura perceber o que sucederia se 35 milhões de trabalhadores de indústrias tradicionalmente low-cost (como a moda) vissem o seu salário aumentar 100 dólares por semana. Segundo os seus cálculos, tal permitiria não só garantir um salário digno aos trabalhadores de países como o Bangladesh e a Índia, como também eliminaria cerca de 65 milhões de toneladas de CO2 das emissões globais anuais. “Como?”, perguntará a maioria. Há dois grandes motivos que explicam esta relação entre salários e o ambiente.

Em primeiro lugar, Geyer esclarece que gastar dinheiro em salários é uma ação “neutra em carbono, que não tem impactos para a biodiversidade”. Embora haja várias formas de criticar este argumento, é difícil negar o seu termo de comparação: a maioria das marcas gasta o seu orçamento de sustentabilidade na descoberta de novos materiais ou métodos de produção, o que, mesmo que tenha um impacto ambiental mais reduzido, continua a ter impacto. Pelo contrário, gastar esse dinheiro no aumento de salários é uma ação que, diretamente, em nada afeta o ambiente. E, indiretamente, até pode trazer efeitos positivos, como vamos analisar de seguida.

Ao segundo motivo, Roland Geyer chama-lhe o “reverse rebound effect”. O nome vem jogar com o “rebound effect” já muito estudado na sustentabilidade, no qual se declara que, ao diminuir o impacto ambiental de um produto, o seu volume de produção aumenta, neutralizando quaisquer efeitos positivos que poderiam advir da primeira ação. No reverse rebound effect, esta situação (tal como o nome em inglês indica) reverte-se. Por cada euro gasto no aumento de salários, há menos um euro a ser gasto em ações que poderiam prejudicar o ambiente.

Este argumento torna-se ainda mais importante à luz da última investigação da Oxfam, na qual se lê que 1% da população (bilionários, milionários, e a elite no geral) tem mais impacto na pegada carbónica mundial do que os 66% dos habitantes do Planeta – os mais pobres. Se considerarmos que muitos dos executivos das empresas de moda se encontram entre as classes financeiramente mais altas da população (e os trabalhadores nas mais baixas), a lógica de Geyer faz ainda mais sentido.

Há outras duas justificações que, mesmo que não tenham sido detalhadas em The Business of Less, ajudam a perceber como os salários dignos podem contribuir para a sustentabilidade ambiental. Uma delas prende-se com a diminuição do consumo. À medida que os salários aumentam, os preços dos produtos ficarão inevitavelmente mais elevados, o que provocará uma diminuição generalizada do consumo. Neste artigo científico publicado em 2019, concluiu-se que o pagamento de salários dignos no Brasil, Rússia, Índia e China resultaria num aumento de preços de 12,5% das roupas vendidas na Europa Ocidental. E seguindo as leis económicas tradicionais: quanto maior o preço, menor a procura.

Por fim, é importante referir que, quando um trabalhador recebe uma remuneração digna, torna-se muito mais fácil para o próprio manter um estilo de vida mais sustentável. E isto manifesta-se em inúmeros setores. Manifesta-se nas pequenas coisas, como ter mais tempo livre, o que permite cozinhar refeições caseiras, com ingredientes de maior qualidade. Mas também se manifesta em áreas de enorme importância, como o acesso a saúde, habitação e educação – cujo impacto tem não só resultados imediatos, mas também para gerações futuras, que estarão um passo mais perto de quebrar o ciclo de pobreza geracional.

Por estes motivos, pode dizer-se que, para além das imensas vantagens sociais associadas ao pagamento de salários dignos aos trabalhadores da moda, tal contribui igualmente para a sustentabilidade ambiental do setor. Não faltam motivos – falta apenas vontade para a implementação de semelhantes medidas.

 

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