Ideias a retirar:
Criado pela UNEP em 2023, o The Sustainable Fashion Communication Playbook é um documento que orienta as comunicações de sustentabilidade na indústria da moda.
Todas as suas diretivas baseiam-se em três grandes campos de ação: informação, cultura e defesa de direitos.
Na informação, privilegia-se o papel da ciência, transmitindo dados verificáveis através de um vocabulário que pode ser entendido pelo cidadão comum.
A cultura passa por transformar as narrativas aspiracionais da moda em mecanismos de sedução do consumidor face a estilos de vida mais sustentáveis. O seu objetivo é alterar padrões de comportamento e gerar novos valores.
Com a defesa de direitos, garante-se a mobilização dos cidadãos na criação de mudanças sistémicas, incitando o seu papel social e político.
Comunicar moda sustentável é muito diferente de comunicar moda. Enquanto o último se rege pelo objetivo de gerar vendas, a comunicação de sustentabilidade é uma forma de educação e aspiração a um estilo de vida mais responsável ao nível ambiental, social e económico. Por esse motivo, existem princípios específicos a ser seguidos na descrição e promoção de produtos de moda sustentável. O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (conhecido pela sigla inglesa UNEP) reuniu alguns dos mais importantes num guia prático para os comunicadores da indústria.
Lançado em junho de 2023, o The Sustainable Fashion Communication Playbook foi escrito pela jornalista e profissional da UNEP Rachel Arthur, em parceria com a Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (UNFCCC), na qual se insere a Carta da Indústria da Moda para a Ação Climática. Foram consultados mais de 160 especialistas da indústria têxtil e de vestuário, que contribuíram com a sua experiência para a realização deste documento. No total, são 102 páginas de definições, casos de estudo e dicas (divididas em do’s e don’ts) que se apresentam como um guia para a comunicação de sustentabilidade no seio da moda. Nesta publicação, resumimos as práticas mais importantes.
De acordo com a UNEP, a comunicação de moda sustentável passa por “ir além da comunicação do progresso na responsabilidade corporativa ou nos objetivos de sustentabilidade”. Esta deve aliar os princípios gerais de sustentabilidade “a tudo o que é comunicado aos consumidores em larga escala, numa tentativa de elevar o consumo e o estilo de vida sustentáveis, ao mesmo tempo que se constrói e garante a educação e confiança do consumidor”.
No caso da moda, a comunicação de sustentabilidade deve reger-se segundo quatro princípios:
- “Combater a desinformação e o greenwashing”;
- “Limitar as mensagens que perpetuam o consumo em excesso”;
- “Redirecionar a aspiração [dos consumidores] para estilos de vida mais sustentáveis”;
- “Empoderar os consumidores no seu papel de cidadãos, para exigir uma maior ação junto das empresas e legisladores”.
Estes princípios deram origem a três grandes campos de ação, que devem ser ativados numa comunicação de moda sustentável: a informação, a cultura e a defesa de direitos.

Comecemos pela informação. Aqui, a equipa da UNEP não tem dúvidas: é preciso deixar a ciência tomar as rédeas da conversa. Quando se veicula uma mensagem de moda sustentável, é crucial que esta seja baseada em evidência científica, eliminando conceitos vagos que prejudiquem a transparência da marca. Por exemplo, deve-se evitar descrever um material como “amigo do ambiente”, dado não existir uma definição amplamente aceite pela ciência para esse conceito. Ao invés, a marca pode optar por explicitar as características que tornam esse material “amigo do ambiente”, como o consumo reduzido de água e as baixas emissões de carbono – isto é, utilizando dados que possam ser comprovados.
Há também um mito que precisa de ser esclarecido: na comunicação de moda sustentável, só faz sentido transmitir informação científica de uma forma a que seja compreendida pelo público. É importante simplificar sem ser simplista, respeitando o direito à informação dos consumidores e traduzindo as mensagens mais complexas para o vocabulário de um cidadão comum. Ainda assim, reforça-se que essa não é uma justificação para omitir dados relevantes. São poucos os casos em que não é possível transformar informação complexa em conceitos facilmente compreendidos pelos consumidores.
Chegados ao campo da cultura, Rachel Arthur destaca duas grandes práticas: “alterar comportamentos e práticas” e “reimaginar valores”. Estas prendem-se com a capacidade da moda de criar narrativas aspiracionais que, durante muitos anos, incitaram o consumo de produtos supérfluos e a aproximação a estilos de vida inalcançáveis. Todavia, com a comunicação de moda sustentável, podemos usar esse poder para o bem.
Para começar, devem-se erradicar mensagens que estimulem o consumo excessivo, alertando para o volume de produção anual da indústria da moda e procurando criar um maior valor (emocional, funcional, económico) junto das peças que os consumidores já possuem. Nesse sentido, é igualmente relevante demonstrar exemplos de como a moda pode ser vivida de uma forma mais sustentável, através de ações como reparar peças com defeitos, reutilizar têxteis antigos ou até participar em trocas de guarda-roupa com amigos e desconhecidos.
O objetivo da comunicação é, aqui, “normalizar” atividades que, até ao momento, tinham sido deixadas para trás pela indústria da moda. A apresentação de “casos de sucesso” (por exemplo, celebridades e influencers que adotaram um estilo de vida mais sustentável) tende a ser especialmente bem-sucedida na criação de aspiração junto dos consumidores. Da mesma forma, narrativas que centrem os valores emocionais, culturais, sociais e ecológicos dos componentes interligados ao setor têxtil e de vestuário – desde a planta de algodão ao artesão – são essenciais na alteração de comportamentos e aceitação de novos valores.
Por fim, o The Sustainable Fashion Communication Playbook destaca o papel que a comunicação pode ter na defesa dos direitos dos consumidores. Sendo uma ferramenta de educação, esta pode contribuir para a mobilização do público perante movimentos que contribuam para uma mudança em larga escala. Desde petições públicas a campanhas de pressão política, a marca deve pensar no contexto do sistema em que se insere e de como pode influenciar para além do seu campo direto de ação. Este princípio pressupõe também a facilitação do diálogo com outras empresas e legisladores, seja através da partilha de informação (aqui, a transparência é igualmente relevante) ou da contribuição para a criação de soluções coletivas.
Com estes simples passos constrói-se uma comunicação de sustentabilidade eficaz. Basta começar com a ciência, reinventar paradigmas e contribuir para a mudança sistémica, uma palavra de cada vez.
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