Ideias a retirar:
Criar um armário cápsula pode ser um comportamento de moda sustentável, caso não seja utilizado como uma justificação para comprar peças novas sazonalmente.
Consumir em excesso é sempre prejudicial para o ambiente, quer seja numa marca de fast fashion ou noutra mais sustentável.
Destralhar contribui para o aumento do desperdício têxtil, mesmo quando as peças usadas são doadas ou vendidas.
Os programas de recolha têxtil das marcas de fast fashion não são sustentáveis, pois não encontram soluções eficazes para o fim de vida dos produtos.
Há várias nuances que devem ser referidas quando falamos de sustentabilidade. Em primeiro lugar, há que ter em consideração que nenhum comportamento é totalmente sustentável; tem sempre impactos positivos e negativos. Em segundo lugar, a sustentabilidade deve ser pensada – no caso de hábitos individuais – no contexto da vida de cada pessoa. Determinadas ações podem ser sustentáveis para alguns e, para outros, serão o seu maior pesadelo.
Nos últimos anos, na indústria da moda, os cientistas, investigadores, educadores e especialistas em sustentabilidade têm tido um papel mínimo na definição do que são comportamentos sustentáveis. O seu papel tem sido renegado a notas de rodapé, perante o poder das grandes empresas, cuja influência permite moldar a opinião pública e forjar a sua própria caracterização de sustentabilidade. Por esse motivo, a indústria encontra-se pejada de mitos que, aos poucos, começam a ser desmantelados.
Hoje, vamos detalhar quatro comportamentos que muitas vezes são considerados sustentáveis. No entanto, o seu impacto pode ser muito mais prejudicial do que aparenta. Para cada caso, haverá uma alternativa (mais sustentável) a adotar.
Criar um armário cápsula – e renová-lo todas as estações
Nos primórdios do debate da sustentabilidade na moda, o armário cápsula surgiu como uma das soluções mais eficazes para a diminuição do consumo. A ideia é simples: escolher um número reduzido de peças para utilizar em cada estação, prolongando a sensação de “novidade” das peças que já possuímos e, consequentemente, minimizar a necessidade de comprar novos modelos. Se essa for a lógica adotada por todos os defensores do armário cápsula, então é certamente uma ação mais sustentável do que manter um armário “regular”. Mas isso não é o que acontece em muitos casos. Em vez de preencher o número de itens com peças usadas, vários utilizadores deste método usam a lógica da renovação sazonal como uma justificação para comprar peças novas. O consumo não é, por esse motivo, minimizado – é apenas realizado em períodos específicos do ano.
Alternativa: Ao invés de alternar as peças sazonalmente, porque não fazê-lo a cada semana? Ao domingo, escolhe um número de peças do teu armário para vestir nos sete dias subsequentes. Na semana seguinte, seleciona um novo conjunto de peças e repete o processo. Este método garante uma utilização prolongada de todas as peças já adquiridas e limita a sensação de necessidade de consumo.
Consumir em excesso produtos de marcas mais sustentáveis
Se comprar peças em marcas de produção responsável é mais sustentável do que comprar em marcas de fast fashion? Depende. Depende de muitos fatores, mas principalmente da quantidade. Do ponto de vista ambiental, gastam-se menos recursos ao comprar uma t-shirt de moda rápida, usando-a até ao limite da sua vida, do que comprando cinco t-shirts de marcas mais sustentáveis, que muitas vezes ficam esquecidas no armário. Independentemente da origem do consumo, este apenas é considerado sustentável quando é orientado pela necessidade.
Alternativa: Prolongar ao máximo o tempo de vida das peças já adquiridas, arranjando e reutilizando os seus materiais, e apenas adquirir itens novos como último recurso, como afirma a pirâmide das necessidades.
“Destralhar” e vender roupa usada
Seja com a chegada das novas estações ou anualmente, é cada vez mais comum fazer-se uma purga ao armário, com o intuito de eliminar as peças que já não utilizamos. Embora revele alguns benefícios, o ato de destralhar contribui significativamente para o aumento do desperdício têxtil, já que a maioria das peças de roupa não tem um destino sustentável. As entidades de caridade estão inundadas em doações, a reciclagem não é uma solução para a maioria dos casos, por isso, muitas destas peças acabam em aterros. Há quem opte por prolongar a vida das roupas usadas, vendendo-as. Porém, esse dinheiro adicional (a par do espaço libertado) torna-se, em vários casos, uma justificação para consumos futuros – e, como já definimos em exemplos anteriores, quando esse é o resultado, a ação desvia-se do seu propósito de sustentabilidade.
Alternativa: Não temos de “destralhar” com o objetivo de nos desfazermos completamente das peças. Esta ação pode ser utilizada para evidenciar os modelos que precisam de uma nova vida. Se o problema for o tamanho, podemos perceber junto de uma costureira se há alguma solução a adotar. Também é possível alterar silhuetas, cores e adicionar detalhes de embelezamento. Em último caso, as peças de roupa usadas tornam-se excelentes panos de limpeza, esticando a sua durabilidade até ao último suspiro.
Entregar roupa usada a uma marca de fast fashion
Os programas de recolha têxtil, ainda que diferentes, revelam traços similares nas várias marcas: ao entregar peças de roupa usada, a marca fica responsável pelo seu fim de vida e, em compensação, o consumidor recebe um crédito para gastar em loja. Quão sustentável é este processo? Muito pouco, na verdade. Em primeiro lugar, foi comprovado que o destino da maioria das peças doadas a marcas de fast fashion é o aterro. A reciclagem representa uma percentagem mínima em comparação aos produtos que acabarão por contribuir para o desperdício têxtil. Em segundo lugar, o propósito das marcas não é dar uma segunda vida às peças usadas, mas sim aumentar o consumo de bens novos em loja, face ao crédito oferecido ao consumidor. É uma moeda com dois lados – e os dois negativos: tanto aumenta os níveis de consumo, como os de desperdício.
Alternativa: Neste caso, tanto se aplica a alternativa apresentada no último caso, como se pode optar por uma versão menos convencional. Em vez de procurar freneticamente um destino sustentável para as peças de roupa, porque não guardá-las até haver soluções eficazes neste campo? Com a passagem do tempo, até pode ser que nos voltemos a aproximar de determinados modelos dos quais nos queríamos livrar, colocando-os, de novo, na rotação do guarda-roupa.
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