Ideias a retirar:
As etiquetas que hoje acompanham as peças de roupa estão obsoletas, pois a sua informação não corresponde, na maioria dos casos, à realidade.
O Passaporte Digital de Produto (DPP), proposto pela União Europeia, quer colmatar essas lacunas, oferecendo um novo meio de informação aos consumidores.
Nesta ferramenta, será possível descobrir como reciclar uma peça de roupa, qual a sua pegada de carbono e qual a percentagem de materiais reciclados, entre outras informações.
Os primeiros DPPs estarão disponíveis no início de 2027 em baterias de carros elétricos.
Apesar de ser uma ferramenta importante para avaliar a sustentabilidade de uma peça de roupa, há muito pouco que as etiquetas nos dizem sobre a sua história. Entre as informações veiculadas, destaca-se o país de origem, correspondente ao alegado local de produção, a composição da peça, na qual se descobrem os materiais e, por fim, as instruções de lavagem, que contribuem para prolongar o tempo de vida dos materiais. À primeira vista, parecem dados valiosos; contudo, serão verdadeiros?
À exceção das instruções de lavagem que, embora possuam os seus defeitos, estes continuam a ser ultrapassados pelos benefícios, as restantes informações tornaram-se obsoletas à luz do funcionamento atual da indústria. Comecemos pelo país de origem, que peca, desde já, pelo uso do singular. São muito raros os casos em que uma camisola de algodão, por exemplo, nasce, cresce e se transforma num único país. A fibra poderá ser cultivada na Índia, seguindo-se a fiação, a tecelagem e a tinturaria na China, passando para o Bangladesh na fase de confeção. Certos acabamentos podem ser realizados em Portugal e, por mais pequenos que sejam, isso não impede de se ler na etiqueta “Made in Portugal”, dado que este foi o último país presente na cadeia de produção. Porém, foi a camisola produzida em Portugal? Neste caso, não.
Há outro problema com o país de origem: promove inúmeros estereótipos culturais acerca das condições produtivas de um país. Por muito que as fábricas chinesas inovem em termos de qualidade dos materiais ou aumento dos salários dos trabalhadores, uma etiqueta “Made in China” reflete, para a maioria, o oposto dessas premissas. O contrário acontece com a produção europeia – independentemente das suas condições, assume-se sempre ser mais sustentável.
Sobre os materiais, vale ainda a pena reforçar que isso em pouco traduz a sustentabilidade de uma peça de roupa. Há outros fatores, como a facilidade de reciclagem e os consumos associados à produção do material, que pesam na balança final.
Percebidas as falhas das atuais etiquetas, surge a necessidade de informar os consumidores acerca das características da roupa com uma nova ferramenta. O Passaporte Digital de Produto, apresentado na proposta legislativa intitulada Ecodesign for Sustainable Products Regulation, é a escolha da União Europeia para colmatar as lacunas informativas, vividas atualmente pelos consumidores europeus em diversos setores – entre os quais se encontra, nas categorias de maior prioridade, o vestuário.
Mas como funciona o DPP (a sigla em inglês pelo qual é reconhecido)? Ainda que os detalhes não tenham sido especificados pela Comissão Europeia até ao momento da redação deste artigo, tudo aponta para que o Passaporte exista na forma de um QR Code. Tal como todas as peças de vestuário são obrigadas, por lei, a possuir uma etiqueta informativa, o mesmo acontecerá com este código, que pode ser lido através de vários aparelhos eletrónicos, como um smartphone. Esse QR Code levará o consumidor para uma página web, onde se encontram as informações necessárias à tomada de uma decisão ponderada e, possivelmente, mais sustentável.
Que dados constarão no DPP é, também, um pormenor que ainda não foi revelado. No entanto, há parâmetros que a Comissão Europeia avançou num workshop realizado em junho de 2023. Estes são a descrição do material (similar à composição, detalhada nas atuais etiquetas), a quantidade de material reciclado presente no produto, a possível existência de substâncias nocivas à saúde do utilizador, o perfil da pegada ambiental – por exemplo, as emissões de carbono e o consumo de água – e a classe de performance (já voltaremos a este ponto importante mais à frente). Fala-se igualmente de oferecer indicações ao consumidor sobre como deverá reparar ou reciclar o produto em questão, bem como a estimativa da geração de resíduos.
É importante reconhecer que disponibilizar mais informação aos consumidores não significa automaticamente que estes estarão mais informados. Existem várias falhas ligadas ao Passaporte Digital de Produto, começando pelo facto de que nem todos os cidadãos têm um aparelho eletrónico através do qual possam ler um QR Code, mas também é evidenciada a dificuldade de interpretação associada à utilização de vocabulário e métodos de análise mais técnicos. Não somos obrigados a saber que material é o mais sustentável, por isso, como é que a presença dessa informação pode contribuir para um consumo mais responsável de moda?
Aqui entra a denominada “classe de performance”. Há diferentes teorias sobre como este parâmetro se pode concretizar, mas acredita-se que o DPP vá retirar inspiração ao índice nutricional que já se encontra disponível numa grande quantidade de produtos alimentares. Falamos da utilização das letras “A” a “E”, que, juntamente com uma escala cromática entre o verde e o vermelho, ajudam os consumidores a escolher os alimentos mais saudáveis. Não é preciso saber interpretar uma tabela de declaração nutricional, basta olhar para a escala simplificada para saber qual será a melhor escolha. O mesmo se pretende fazer com a sustentabilidade dos produtos – se tivermos à nossa frente duas camisolas com as mesmas características, sendo que uma recebeu uma classificação de “A” e outra de “C”, pressupõe, à partida, que a maioria dos consumidores irá escolher a que estiver mais bem classificada.
Para terminar, ainda não existe uma data oficial para a integração do Passaportes Digital de Produto em bens de moda. Até ao momento, sabe-se apenas que, no início de 2027, começarão a estar disponíveis em baterias para carros elétricos. Espera-se que rapidamente a Comissão Europeia consiga chegar a outras categorias de produto, tornando o DPP um meio de informação comum e acessível aos cidadãos.
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