Ideias a retirar:
Por muitas ações sustentáveis que a indústria da moda possa iniciar, nenhuma terá tantos resultados quanto a redução da produção.
O decrescimento é, segundo Kallis et. al (2018), “um processo de transformação política e social, onde se reduz o throughput de uma sociedade enquanto se aumenta a sua qualidade de vida”.
Para a concretização desta teoria, é necessário um plano de transição justa, para que uma possível extinção de postos de trabalho se transforme numa reeducação face às exigências da indústria contemporânea.
O crescimento económico permanente seria apenas possível caso a Terra nos oferecesse recursos ilimitados. No entanto, existem limites planetários que devem ser considerados.
De modo a que se garanta o aumento da qualidade de vida – um dos pontos mais importantes da teoria do decrescimento – o papel do governo é essencial, para a criação de mudanças sistémicas.
Segundos dados disponíveis na plataforma Statista, prevê-se que as receitas do mercado global da moda ultrapassem os 768 mil milhões de dólares em 2023. Até 2027, tais receitas continuarão a aumentar, com um crescimento estimado de 9,45% ao ano. Perante este cenário, segue-se uma escalada na utilização de recursos, como solo, água e energia, a par de aumentos nos impactos negativos da indústria, entre poluição, emissões de carbono e desflorestação. Não era suposto estarmos a transformar a moda num setor mais sustentável?
As campanhas de marketing dizem que sim, mas o comportamento das grandes empresas demonstra o contrário. Ainda que se denotem esforços ao nível de ações como a compensação carbónica e a implementação de sistemas mais eficientes na utilização de recursos, as suas consequências positivas são rapidamente ultrapassadas pelos danos resultantes do aumento da produção.
Façamos um exercício simples, daqueles que poderiam estar num livro de matemática: imagine-se que uma empresa quer tornar as suas t-shirts de algodão mais sustentáveis. Antes, a sua produção implicava o consumo de 2700 litros de água; agora, ao inserir fibras de algodão reciclado, gastam-se somente 1700 litros. O que será mais sustentável: produzir 20 t-shirts de algodão reciclado ou 10 t-shirts convencionais? Se a empresa optar pelo maior volume de produção, necessitará, no total, de 34 mil litros de água. No entanto, se produzir somente 10 t-shirts, o seu consumo de água totalizará 27 mil litros. Ao analisar somente o consumo de água, percebemos que a ação mais sustentável é a produção em menores quantidades das t-shirts de algodão convencional. Agora, aplique-se este exercício a milhares de unidades produzidas todos os dias e o fosso será ainda mais pronunciado.
Esta é a base da teoria do decrescimento: não basta apenas tornar os recursos mais eficientes; é preciso, acima de tudo, reduzir a sua utilização. De acordo com Kallis et. al (2018), o decrescimento pode ser definido como “um processo de transformação política e social, onde se reduz o throughput de uma sociedade enquanto se aumenta a sua qualidade de vida” (embora não haja uma tradução literal em português, throughput refere-se à produção e à quantidade de trabalho desempenhada pela população).
Analisemos esta definição por partes. Em primeiro lugar, vale a pena reforçar a ideia de que o decrescimento é um “processo”. Muitos criticam esta teoria, afirmando que, ao diminuir a produção, serão também eliminados postos de trabalho, nomeadamente de pessoas menos qualificadas, que necessitam do seu rendimento mensal para sobreviver. No entanto, como a definição citada explica, não se espera que se fechem fábricas da noite para o dia. Com o decrescimento, vem um plano de transição justa, onde, por exemplo, antigos postos de trabalho serão convertidos em planos de reeducação e de preparação dos trabalhadores para as exigências do trabalho contemporâneo e futuro. Há uma máxima que se repete cada vez que o decrescimento chega aos palcos políticos, e essa é: “ninguém é deixado para trás”.
O segundo segmento refere-se à redução do “throughput de uma sociedade”. Esta é uma das premissas mais cruciais da teoria do decrescimento, tal como o próprio nome indica. Como Kate Raworth escreveu, em 2017, no seu livro “Economia Donut: Sete formas de pensar como um economista do século XXI”, “hoje temos economias que precisam de crescer, quer nos façam prosperar ou não: precisamos de economias que nos façam prosperar, quer cresçam ou não”. A obsessão do sistema económico vigente com o crescimento, seja este do produto interno bruto (PIB), da produção ou dos lucros, é sustentada com base no mito de que temos recursos infinitos ao nosso dispor. E os últimos anos têm-nos mostrado que esse pensamento levou a que ultrapassássemos diversos limites planetários, gerando consequências sem precedentes.
Por fim, centremo-nos na ideia de que a redução da produção vem acompanhada de um aumento da qualidade de vida. “Como é que tal é possível?”, pergunta o cidadão que, desde cedo, foi ensinado que o seu valor equivale ao conjunto de bens que consegue consumir. São várias as respostas que lhe podemos dar. Podemos dizer que a crise climática, intensificada pelo aumento da produção, não afetará apenas a saúde dos ecossistemas, como a própria saúde humana. Podemos dizer que inúmeros Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas para 2030 não estão dependentes do crescimento das economias (muito pelo contrário), tais como a Redução das Desigualdades e a Produção e Consumo Sustentáveis. E podemos dizer que comprar apenas uma t-shirt, ao invés de duas, em nada impacta a felicidade de um cidadão da classe média de um país europeu.
Talvez a única grande desvantagem da teoria do decrescimento seja que, para ser concretizada com eficácia, necessita de apoio político – e, infelizmente, ainda parece ser um não-assunto entre os governos internacionais. Mesmo que as ações individuais possam contribuir para a demonstração da necessidade de mudança, são precisos planos de transição justa, que olhem para este tema de forma sistémica. Daí ser tão importante exercemos não apenas o nosso papel como consumidores, mas, acima de tudo, como cidadãos, que têm um papel a desempenhar na cena política nacional e internacional.
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