Ideias a retirar:
A cadeia de produção de uma marca de moda engloba etapas como o sourcing dos materiais, a transformação desses materiais em tecidos e, depois, dos tecidos em peças. Conta-se também a distribuição dos produtos.
Existem dois grandes modelos de produção: o modelo vertical e o DSD (design, sourcing, distribuição).
Nos anos 90, diversas multinacionais de moda deslocaram as suas cadeias de produção para o estrangeiro, apostando em fábricas subcontratadas com mão de obra de baixo custo.
É na cadeia de produção onde as marcas têm mais oportunidades de fazer mudanças ao nível da sustentabilidade ambiental e social.
Estima-se que a grande maioria do impacto ambiental de uma empresa de moda se encontre na sua cadeia de produção. Sem perceber como funciona o processo produtivo do setor têxtil e de vestuário, é difícil perceber como este se pode tornar mais sustentável. Assim sendo, vamos começar pelas definições, respondendo à pergunta: o que é uma cadeia de produção?
A produção de uma peça de roupa é composta por diversas fases, entre as quais se encontram o sourcing dos materiais – em português, fornecimento ou obtenção, apesar de o termo inglês ser o mais utilizado –, a transformação desses materiais em tecidos e, depois, dos tecidos em peças. Conta-se ainda a distribuição dos produtos finalizados. Cadeia é a palavra que indica a ligação entre todos estes componentes num processo com início, meio e fim (Good on You, 2017).
Atualmente, podemos identificar dois grandes modelos que regem o funcionamento de uma cadeia de produção de moda: o modelo vertical e o modelo DSD (design, sourcing, distribuição). No primeiro, a empresa controla todas as fases do seu processo produtivo. Ou seja, esta é responsável pelo design, produção dos materiais e tecidos, produção das peças de roupa e distribuição. Por sua vez, no modelo DSD, uma parte da cadeia de produção encontra-se deslocada da empresa. Apesar de, na maioria dos casos, manter-se o controlo do design e da distribuição, os serviços respetivos à produção de materiais, tecidos e peças são subcontratados, sendo realizados por terceiros.
Durante muitos anos, o modelo vertical representava a opção mais vantajosa para as marcas de moda. No setor da moda de luxo, por exemplo, o controlo de qualidade é uma característica essencial às grandes maisons, podendo a subcontratação ser uma opção arriscada. Contudo, foi na década de 90, com a ascensão das multinacionais de moda (hoje conhecidas como marcas de fast fashion), que o modelo DSD encontrou o seu lugar na indústria. A produção doméstica deu lugar à produção subcontratada no estrangeiro e as marcas passaram a concentrar-se mais em áreas como o design, o branding e o retailing.
Os motivos para esta tendência da indústria foram vários, mas destacam-se:
- Os menores custos de mão de obra noutros países, nomeadamente países emergentes ou em desenvolvimento;
- A crescente facilidade de trocas internacionais proporcionada por acordos de comércio livre;
- A existência de um menor número de restrições ambientais e laborais nos países em desenvolvimento;
- A maior capacidade de comunicação e informação proporcionada pela revolução tecnológica e dos transportes.
Face a estas vantagens, as cadeias de produção globalizaram-se. Hoje, é mais comum vermos nas nossas etiquetas de roupa as palavras “made in Bangladesh” do que “made in Europe”. E até a China, que desde cedo abriu portas às marcas ocidentais que procuravam alternativas de subcontratação, tem diminuído a sua atratividade aos olhos das empresas.
Entre todos os motivos enumerados, o custo da mão de obra continua a ser o mais relevante na escolha do local de subcontratação. Sendo a indústria da moda intensiva neste recurso, é no preço do trabalho (e dos materiais) onde se encontram os maiores custos. Assim sendo, à medida que os salários dos trabalhadores chineses foram aumentando, também a produção subcontratada neste país foi diminuindo. Atualmente, os locais de maior produção para a indústria da moda são também os países com os salários mínimos mais baixos, nomeadamente Bangladesh, Cambodja, Vietname e Myanmar.
Abordando agora uma vertente ambiental, é também nos serviços subcontratados (nomeadamente sourcing de materiais, transformação dos materiais em tecidos e produção das peças de roupa) que se encontram as maiores falhas ao nível da sustentabilidade. Aqui, podemos destacar:
Para o cultivo de materiais:
- Grande utilização de recursos naturais (nomeadamente água e solo);
- Utilização de produtos tóxicos e pesticidas;
- Crueldade animal.
Para a transformação e produção de tecidos e peças:
- Grande utilização de recursos como água e energia elétrica;
- Utilização de produtos tóxicos (nomeadamente no processo de tingimento);
- Grande desperdício de tecidos.
Estes são alguns exemplos em que existe potencial para introduzir estratégias mais amigas do ambiente. E tantos mais exemplos poderiam ser dados se tivéssemos ainda em conta os pilares social e económico referidos no último artigo.
Ao nível social, outra consequência associada ao modelo DSD e, nomeadamente, à subcontratação de serviços é a forma como as marcas se têm vindo a desligar da sua própria cadeia de produção. Sendo o seu controlo reduzido, torna-se fácil para estas não se responsabilizarem pelos atos que ocorrem durante esta etapa. Um dos exemplos mais recentes foi o impacto da pandemia na indústria da moda. Com as lojas fechadas e o consumo em decréscimo, a grande maioria das encomendas realizadas às fábricas subcontratadas foi, de um momento para o outro, cancelada. Em consequência, inúmeras fábricas subcontratadas fecharam e os seus trabalhadores foram despedidos. As marcas, por sua vez, não assumiram qualquer papel nesta situação, apesar de muitas revelarem acordos e parcerias de longo prazo com os seus fornecedores. E, em alguns casos, nem chegaram a ser pagas encomendas que já tinham sido produzidas.
Em suma, quando falamos de práticas sustentáveis, é na cadeia de produção que geralmente estas se procuram implementar. Seja ao nível social, ambiental ou económico, os impactos que hoje se revelam negativos podem ser moldados para se tornar neutros ou, ainda melhor, positivos. Algo que apenas se conseguirá quando todas as vertentes da sustentabilidade forem tidas em consideração.
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